|
Aquela história de que a primeira vez ninguém esquece,
também se aplica a viagens de moda. Pouco antes de subir
no avião da Air France, rumo à Paris, com a missão
de cobrir as coleções de alta-costura francesa para
o inverno europeu de 1963, tinha tomado um elegante Hirondelle,
aviãozinho que fazia a ponte aérea Rio-São
Paulo, para reportar a Fenit. A feira, que até hoje sinaliza
o calendário da moda paulista e nessa época era
uma espécie de São Paulo Fashion Week, era a grande
matéria de moda da semana. Lá fui eu, estudante
de Jornalismo da UFRJ, e já editora feminina (o cargo de
editora de moda surgiu no início dos anos 70) do "Jornal
do Brasil", tímida e meio medrosa, usando um tailleur
de lã azul hortência, com saia reta e justa e o casaquinho
com gola de pele branca, verdadeira - não era pecado -
luvas curtas de couro fino e bolsa chanel com matelassé
e alças com correntes douradas, exatamente no tom do sapato
também chanel: gelo, cor da moda, um semitom do branco
entrando na escala do cinza.
A garota carioca ficou impressionada com a pompa do evento, com
a elegância das compradoras das lojas mais importantes de
todo o Brasil, encarapitadas nos saltos 6 ½, sempre de
braços dados com seus maridos. Havia uma mistura do profissional
com o pessoal. Um programão que acabava inevitavelmente
na Baiuca, boite da moda. E, para a mídia mais boêmia,
na alegria das mesas do Gigetto, com seus filés antológicos
e o cafezinho com casquinha de limão. Ou na Cantina Speranza,
com soberbas pizzas picantes.
Nos anos 60, que depois foram batizados de dourados, a roupa mais
chique e usada era o tailleur, sempre com saia. Modelagens acompanhando
o corpo, cheias de pences, ausência de gola, seguindo Chanel,
muitos debruns, bolsinhos, correntes, sempre na trilha da grande
mademoiselle. Até as jovens usavam chemisier, o vestido
clássico, sempre com cinto ou faixinha, gola levantada,
poderosa, mangas longas ligeiramente arregaçadas. Existia
mesmo a versão para festas, com golas e punhos bordados
com pérolas, miçangas, etc. Bom, mas a idéia
é a de fazer uma foto-fashion de São Paulo, que
tinha tudo isso e muito mais. Como editora do "Jornal do
Brasil", sempre andava pela cidade e, um dia, recebi o convite
de Luís Carta para colaborar em "Cláudia"
e depois também em "Manequim". Grandes conversas,
com o grande Luís e Thomaz Souto Correia, um lord que amava
os Beatles, Piaff e "Ne me quitte pas" antes de Anita,
é claro. Quase fui morar na paulicéia desvairada,
que me atraía pelas novidades superlativas, às vezes
um pré-clubber muito chique. Dá para ententer? E
foi nesse intercâmbio que conheci Regina Guerreiro, que
ficou minha amiga por profissão e afinidades astrológicas,
pois somos de Touro e nascemos no mesmo ano. No meio disso tudo,
era gratificante conhecer a primeira fábrica de calças
compridas, a Berta, as grandes malharias que embalavam paulistas
e a turma do Sul com casacos e suéteres maravilhosas, como
a Tricot-Lã e a Cori. Mas o mais legal era bater perna
na rua Augusta, coisa super-fashion, onde, na Paraphernalia, butique
de Guaracy, com jeito da swinging London, comprava-se a bolsa
metálica de Paco Rabanne (tenho até hoje, um dos
meus fetiches) e ia-se em linha reta para a Rastro, onde Aparício
Basílio da Silva lançava sua colônia cult,
hoje incorporada ao made in Brazil, e misturava roupas exclusivas
com obras de arte com rodadas de vinho rouge e muita conversa
boa com a fina flor da cultura local. Foi lá que lancei
meu primeiro livro, "1440 Minutos de Mulher", que contou
até com a presença de Dener, entre elegantes quatrocentonas,
artistas, fashion-people, uma maravilha! Eu usava coque com cachos,
era a grande moda - chegava-se a colocar 200 grampinhos invisíveis
- e um tailleur chanel da Pull Sport de tweed cinza, musgo claro
e rosa, cópia das boas!
Quando as idas à São Paulo esticavam-se pelos fins
de semana, aí é que era um delírio. O coração
de tudo ficava chez Guerreiro, no seu apê inesquecível
no viaduto Maria Paula, onde ia todo o mundo comer feijoada, cozido,
entradinhas com queijos franceses e outras coisas pré-monitórias.
Maurício Kubrusly, hoje Fantástico e ontem imperdível,
esparramava-se em divagações filosóficas
e artísticas. No verão, estreávamos nossos
Puccis com ondulados limão, turquesa, laranja e shocking,
decididamente a minha cor favorita anyway. Também a turma
cabeça - a imprensa da moda tinha outras idéias
e líamos muito, além de vogues & cia. ltda -
deliciava-se com as combinações e camisolinhas de
dormir de Suely Cencini, curtíssimas, em renda negra, super-sexies.
E seus vestidos de tricô? Pareciam teias de aranha, de tão
fininhos e rendados, com certeza as primeiras obras de moda-arte
saídas de uma máquina semi-industrial.
Paris começou a entrar no roteiro e a gente parece que
conhecia tudo, de tanto se debruçar sobre moda. A festa
continuou, atravessou os anos 60, onde se podia ver os shows espetaculares
da Rhodia com grandes costureiros, uma coisa meio Moulin Rouge,
meio Cirque du Soleil, que depois corria pelo Brasil afora, com
o domador Lívio Rangan, publicitário que enxergava
longe. Dener, Clodovil, José Ronaldo, Ronaldo Ésper,
Nazareth, Júlio Camarero e um elenco enorme de poderosos
da moda estava lá.
Quem viveu pode afirmar que São Paulo criou um estilo,
que não briga jamais com o do seu colega São Sebastião,
aquele do Rio de Janeiro. Afinal de contas, isso não é
problema nosso, mas sim da divina corte celestial.
Gilda
Chataignier é jornalista e escritora. Entre
seus livros, destacam-se "Todos os Caminhos da Moda/Guia
de Estilismo e Tecnologia" e "Festas que dão
Baile", ambos da editora Rocco. Gilda também é
professora de moda das universidades Veiga de Almeida e Estácio
de Sá, no Rio de Janeiro. Colabora com a revista "Quem",
da editora Globo e é colunista da "World Fashion"
(A Cara do Rio). |
|
|