SACCO E VANZETTI


Publicado na Folha da Manhã, segunda-feira, 22 de agosto de 1927

Neste texto foi mantida a grafia original

Serão executados depois de meia noite de hoje os anarchistas italianos Nicolau Sacco e Bartolomeu Vanzetti - Todas as tentativas para que a sentença de morte fosse revogada falharam - "Nunca procures a riqueza, pois o ouro não traz consigo felicidade", disse Nicolau Sacco despedindo-se de seu filho


Deve terminar hoje a longa e dolorosa agonia de Sacco e Vanzetti. Tudo está prompto para o sacrificio supremo. Assim, os dois infelizes que, durante mais de sete annos, preoccuparam a attenção do mundo inteiro, não terão mais trabalho que o de sentarem na cadeira funebre. A espera de que pelos seus corpos passem, num arrepio rapido, as caricias mortaes das correntes eletricas. As roldanas da manchina infernal foram de novo azeitadas e o commutador foi posto em boa ordem de funccionamento... No cubiculo da morte, a justiça deu corda ao relogio, para que os ponteiros não empérrem nos minutos fatidicos.
Sete annos de incertezas e esperanças emprestam a este caso a solennidade das grandes tragedias. Appellos, supplicas, rôgos, preces e recursos da advocacia, foi tudo inutil. A justiça americana é infalivel e não tem que dar satisfação ao sentimentalismo do mundo. Sacco e Vanzetti mataram para roubar. Pois que sejam justiçados. Se elles, são innocentes, que paguem os innocentes pelos pecadores. A pena de morte, mais do que um castigo dos criminosos, deve ser um exemplo nos que ainda não tiveram as suas mãos manchadas de sangue.
A cinematographia há de ter influído muito na justiça que prolongou a tortura de Sacco e Vanzetti. São, realmente, cinematographicas as enscenações preparadas para este proceso. Fazem lembrar um conto celebre, de Villers de l'Isle Adam: "A tortura da esperança". Quando tudo se acreditava perdido, eis que o juiz Thayer adia a execução. A humaniadade respirou, desafogada. Tornaram-se mais fervorosas as orações. Renasceu a esperança em todos os peitos. Falou-se em "sursis". falou-se em "habeas-corpus". Os condenados foram desalojados da "cella da morte" e levados para longe, para um cubiculo mais claro, mais alegre. Os filhos dos infelizes tiveram permissão para ver os seus paes.
De repente, porém, a Côrte Suprema de Boston recusou a revisão do processo e confirma a sentença de morte. O pedido de "habeas-corpus" não dá entrada do Tribunal Superior, porque lhe faltam certas peças indispensaveis do processo. A commissão inculbida de pleitear a defesa dos accusados manisfesta publicamente a sua desesperança. Sacco despede-se de seu filho. Os condemnados são conduzidos, novamente, para o cubiculo funebre. Todos os braços cáem, no desanimo extremo. Desfazem-se as ultimas claridades. A tragedia vae entrar no seu ultimo acto. Já os machinistas se preparam para correr o velario. Os espectadores estão suspensos por um fio. O minimo ruido não perturba o estado de concentração do espirito. Silencio.
Cahirá, de facto, o panno, esta noite, sobre a tragedia terrivel?

O crime

O crime de que são accusados Nicolau Sacco e Bartolomeu Vanzetti foi praticado no dia 5 de Maio de 1920, portanto, há sete annos, tres mezes e dezessete dias. Consiste num duplo assassinato, por motivo de roubo, praticado em Soupt Brainther, no Estado de Massachussetts, na America do Norte. O pagador Frederico Parmenter e o agente Alessandro Berardelli, empregados da firma Slater e Merril Shoe Company, eram portadores de 15.000 dolares, importancia essa que representava o pagamento semanal dos operarios daquella casa. Proximo áquella fabrica foram esses dois empregados assaltados, assassinados e roubados. Os ladrões, que apenas foram vistos de relance sem, porém, que fossem identificados, fugiram em diversos automoveis.

O primeiro Jury

Em 1920, presidido pelo juiz Thayer o jury, reconhecendo culpados os dois italianos Sacco e Vanzetti, os condemnou á cadeira electrica.
Os advogados dos condemnados, porém, appelharam da sentença do juiz Thayer. Auxiliados pela commissão, que nessa época se formará para a defesa dos accusados, aquelles advogados solicitaram para a revisão do processo, sendo, então, suspensa a execução.

O segundo Jury

Quase sete annos depois, isto é, em 9 de Abril de 1927, o mesmo juiz Thayer, da Côrte de Dedham, confirmou a sentença de morte dos dois anarchistas. Esta segunda audiencia que se realizou a portas fechadas, deixou no espirito dos poucos assistentes, a impressão mais dolorosa que se possa imaginar. É uma verdadeira pagina dramatica, que talvez, o cerebro humano, até hoje, não tenha ainda ideado
Fomos os unicos a descrevel-a em nosso jornal de 1 de junho e a emoção de que é tomado ao se ler as declarações dos accusados dá bem idéa do horror que invadiu as almas dos presentes. Sómente os accusados se mantiveram numa tragica impassibilidade.

Mais recursos

A commissão de defesa pró-Sacco e Vanzetti, passado o primeiro instante de surpreza que lhe causára a confirmação da sentença, apezar das innumeras provas favoráveis apresentadas, recorreu ao governador Fuller, do Estado de Massachussetts.
Este nomeou, então, uma commissão especial, destinada a examinar todas as peças do processo e, não satisfeito com isso, estudou sozinho e de visu todas as provas pró e contra os accusados.
Esteve presente ao local do crime, mediu, inquiriu, indagou, manteve, por diversas vezes, longas conferencias com os condemnados e resolveu confirmar a sentença medonha.
Emquanto era attendida a decisão de Fuller
Depois de se reunir em sessão secreta, a commissão consultiva, presidida pelo reitor da universidade de Haward, professor Lawell, ouviu a peroração do advogado Thompson, que falou durante 4 horas, e as argumentações do procurador districtal Ranney.
Tanto os advogados da defesa Thompson e Ehrmann, como Ranney, á sahida da sessão, recusaram-se a fazer revelações sobre as theses sustentadas.
Ao mesmo tempo o governador chamava á "State House" outras testemunhas, interrogando-as em presença do advogado Wiggin.
Entre as pessoas interrogadas naquelle dia, notaram-se o deputado estadual Lewis Sullivan, que escutou os commentarios do juiz Thayer, hostis aos condemnados; o sr. Frank A. Brooks presidente da Commissão Estadual dos Pedestres; o publicista Felice Guadagni; os srs. James Hogsett, Luiz Falsini, um carcereiro da penitenciaria de Charlestown etc.
O governador continuará por alguns dias o interrogatorio de outras testemunhas entre as quaes o professor Antonio Dentamara residente em Nova York, que foi importante testemunha de defesa no processo de Dedham.

Vanzetti investiu contra o governador Fuller

Chegou-se a propalar, algum fundo de verdade, um facto que, pela sua divulgação inedita, merece especial registo nas chronicas negras do martyriologia de Sacco e Vanzetti.
No gabinete do director da Penitenciaria, de Charlestown, o governador Fuller fôra interrogar os dois detentos, inclusivé o portuguez Celestino Medeiros.
Nenhuma jornalista fôra admitido a assistir ao interrogatorio que se revestiu de um dramatico conciliabulo.
Sacco e Vanzetti foram interrogados separadamente, e o interrogatorio durou mais de um quarto de hora.
As respostas de Vanzetti foram dramatississimas, durante as quaes o preso tentou investir contra o governador e a commissão consultiva.
Porquanto quase sem forças pelo jejum expontaneo Vanzetti teria falhado com vivacidade, em voz alta, gesticulando animadoramente, investindo com palavras asperas contra a "justiça de Massachussetts" e contra o juiz Thayer que "tem urdido a trama de tão infame processo".
O governador vermelho contrariado pela inesperada e amarga philippica do prisioneiro sahiu á rua sem ao menos attender aos "reporters" que o esperavam pacientemente. Tinha perdido sua calma habitual, e apenas entrou no automovel que o attendia bateu a porta violentamente.
Um velho reporter, que conhece o governador intimamente declarou:
"Nunca o vi tão desorientado e nervoso. Elle nunca se mostrou tão brusco para com os jornalistas".
A senhora de Nicolau Sacco ao sahir da visita fizera ao seu marido assim falou.
"Bartholomeu e o meu Nicola não esperam mais um acto de clemencia do governador, ou um juizo sereno da sua commissão. Tudo está acabado".
E retirou-se banhada em pratos...
De facto, mas depos era conhecido o resultado dessa nova tentativa de defesa.
O governador Fuller confirmara a sentença tremenda.

De todo o Mundo

É grande a consternação em todo o mundo, principalmente nas classes operarias, provocada pela decisão da Suprema Côrte de Justiça dos Estados Unidos, confirmando a setença de morte contra Sacco e Vanzetti.
Assim, grande numero de pedidos, de todos as partes do univeso, têm sido dirigidos ao governador Fuller no sentido de ser commutada a pena imposta aos dois operarios italianos.
A noticia de que Alfredo Dreyfus acceitara o convite para tomar parte num "comité" francez pró Sacco e Vanzetti que iria á America, causou profundo interesse em Boston.
Dreyfus consistiu a figura central de um dos mais sensacionais dramas judiciarios, que commoveu sobremaneira a opinião publica mundial. Accusado de alta trahição, foi condemnado á prisão na Ilha do Diabo, na Cayenna, e sómente após quantro annos de sofrimentos moraes, obtivera a liberdade e a honra de condemnado politico.
Um dos seus mais estrenuos defensores fôra o grande romancista Emile Zola.
A defesa que faria o sr. Dreyfus, portanto, seria uma recordação do atroz erro judiciario que ameaçou troucar-lhe, a reputação de homem politico e a existencia de homem honesto.
A decisão do governador Alvan T. Fuller, condemnando irreversivelmente os dois amarchistas italianos, causou sensação em todo o mundo civilizado.
Há dias, Fuller depois de ter interrogado varias testemunhas, isto antes de sua decisão, fez uma visita aos dois condemnados nas prisões de Charlestown, e logo depois dirigiu-se a South Braintree, um bairro de Boston, onde encetou a reconstrução do delicto.
Com a ajuda de dois policiaes, o governador levou a effeito numerosas medidas e inquirições na mesma rua onde se deu o assassinio.
Entre as numerosas pessoas recebidas pelo sr. Fuller, destacou-se mrs. Jessica Henderson, rica senhora de Maryland, que chamou a attenção do governador sobre as extraordinárias precauções da policia no referente á Côrte de Dedban, durante o processo para prevenil-a dos attentados anarchistas.
No dizer da senhora Henderson creava a policia uma atmosphera desfavoravel aos condemnados, pois todas as pessoas que quizessem assistir ás sessões da Côrte eram minusiosamente revistadas.
Um dos componentes da Junta teria exclamado precedentemente:
- Condemnal-os. Elles devem morrer de qualquer modo".
A autora de tão impressionantes revelações, espera ver ainda recebida pelo governador Fuller.
A dilatação do prazo, concedida aos dois anarchistas e a Celestino Madeiros, cuja confissão tendia livrar Sacco e Vanzetti, contribuiu para prolongar de maneira barbeira a agonia dos dois suppostos assassinos que têm a palavra amiga de todo o mundo.
Nicola Sacco conservara-se na greve da fome, emquanto que Vanzetti mais optimista alimentava-se demonstrando um estoicismo incommum.
O dr. Joseph Me Laughlin, examinando Nicolau Sacco declarara que o jejum não deixado traços sensiveis no physico do condemnado.
*
Em Boston, o comicio de protesto internacional no qual interveio o advogasdo Clarence Darrew, o mais celebre advogado de Chicago, que perorou estymatisando a decisão do governador Fuller, foi um eloquente attestado da revolta que prende os animos do proletariado de todo o mundo.
Semelhantes demonstrações realizaram-se nas mais importantes cidades de todo o mundo como Paris, Stockolmo, Roma, Buenos Aires, Nova York, Pittsburgo, Toledo, Cleveland, Detroit etc.
De nada valem porém, esse grito unanime de revolta.
A Justiça Americana, fez pesar com escabrosa consciencia, o severo dedo, na balança de suas leis, mais severas ainda.

Novas esperanças

Recorreram, então, os advogados á Côrte Suprema do Estado para autorizar um novo processo. Sciente do pedido recusou-se a Côrte a essa autorização e foi determinado a data de hoje para a execução.

Tudo perdido

A commissão incumbida da defesa, deante desta ultima decisão, perdeu todas as esperanças de salvar os accusados. O recurso á Suprema Côrte dos Estados Unidos, se fôr levado a effeito, nenhum beneficio poderá trazer.

Como se fará a execução

A execução de Sacco, Vanzetti e Medeiros será feita da seguinte fórma:
Os condemnados devem encontra-se em cellas sepradas, que dão para um corredor que termina na sala de execução. Taes cellas são dispostas de tal maneira que os condemnados não vejam o primeiro que fôr para o salão da cadeira electrica, o qual mede cerca de sete metros quadrados.
No fundo de parede, distante cerca de um metro, fica uma cadeia tosca, feita de madeiras grossas, sem nenhum torneado, com varaes de duas pollegadas de espessura. Na parte do lado opposto, em frente á cadeira, tres séries de bancos para seis pessoas, mais ou menos.
Os condemnados têm o direito de serem satisfeitos nos desejos que manifestaram no dia da execução, podendo até pedir bebidas alcoolicas ou outra coisa que lhes acudir à mente.
Acompanhado do medico do estabecimento, de varios guardas, do executor eletricista, do escrivão que lavrará o auto de morte e das testemunhas, que deverão assignar os documentos, á hora marcada o director da prisão dirige-se para a cella, que abre.
Um cura, ou pastor, ou sacerdote de qualquer seita religião a que pertença o infeliz, será o primeiro a entrar no cubiculo, offerecendo os seus officios religiosos antes da execução. O condemnado prepara-se e, em geral, amparado pelo braço de dois guardas carinhosos, segue para o supplicio.
Chegando á sala da execução, as testemunhas tomam assento nos bancos fronteiros á cadeira electrica, o director da prisão pergunta quaes são as suas ultimas declarações a fazer, e em seguida prosegue-se a collocação do infeliz na cadeira electrica. Antes vendam-lhe os olhos se elle assim quizer. Tiram-lhe o paleto, arregaçam-lhe as mangas até a altura dos cotovellos e cortam a calça com uma thesoura na parte da frente até a altura dos joelhos.
O condemnado é sentado então na cadeira electrica, que é de braços.
Os ajudantes da execução passam sobre o thorax do condemnado uma larga correia de couro, de cerca de duas pollegadas de largura, afim de que o corpo fique justo ao encosto da cadeira. Esta correia é afivelada nos varaes trazeiros de cadeira.
Os braços são collocados sobre os braços da cadeira, em posição de modo que o pulso fique voltado para cima.
Duas correias afivellam o braço, do infeliz no braço da cadeira, ao mesmo tempo seguram uma placa de metal com fios electricos, de polo negativo.
A mesma coisa é feita com a parte inferior das pernas que ficam tambem afivelladas a cada perna da cadeira, levando egualmente uma chapa de metal com fios electricos de polo negativo.
Em geral são tres os funccionarios da prisão que fazem este ajuste do corpo a cadeira electrica, ocupando-se um da alça do thorax e os outros de cada braço e pernas.
O serviço é feito assim simultaneamente para abreviar á sombria espera a cerca de tres minutos no maximo.
Então, um capacete de metal de onde sahem os fios de polo positivo electrico é collocado sobre a cabeça do condenado.
O executor electricista segue para uma cabine que se encontra em um dos angulos da sala e colloca a mão na manivella que dá a ligação electrica .
É então imposto o maior silencio aos circunstantes. O diretor da prisão de relogio em punho dá o signal convencional.
O eletricista liga a manivella morticida.
Um tremor profundo sacode o corpo do accusado ao receber a descarga de 3.000 volts electricos, porém, as correias contém o corpo na posição forçada para que o mesmo não seja jogado fóra. A corrente electrica demora dez segundos em regra, findos os quaes um novo acceno do director da prisão faz com que o electricista desligue a corrente.
O medico da prisão examina então o corpo e vê se ainda lhe resta signal de vida.
Em regra, a primeira ligação é sufficiente para matar em poucos segundos. Ás vezes, porém, existe a necessidade de nova ligação por mais dez segundos.
Verificada a morte, entram os medicos encarregados da autopsia do cadaver emquanto os outros funcionarios lavram o acto da execução.
Uma carreta dessas que se usam nos hospitais para transportar doentes é trazida da sala de autopsia que é contigua á sala de execução e o corpo é collocado sobre a mesma.
Se houver necessidade de autopsia immediata, far-se-á poucos minutos depois de morto o individuo; em caso contrario, o corpo é guardado em uma grande geleira para que o exame necrologica seja feito no dia seguinte pela manhã.
O exame consiste na abertura do craneo e extração do cerebro.
De accôrdo com as leis norte-americanas, parte deste cerebro é enviado para Washington, afim de ser guardado no Museu Central e privativo dos condemnados á morte, emquanto outra parte fica na prisão tambem conservada em vidro, tomando o numero, a data e a hora da execução.
A cerimonia é sempre a mesma e havendo varios condemnados ella se repete com uma egualdade absoluta.
Em torno do pavilhão da cadeira electrica ha muitos canteiros floridos de lindas gardenias.
Estas gardenias symbolisam, apesar da sua expressão sayve, a vida de cada condemnado que desapparece.
O jardineiro da prisão de accôrdo com um tradicional costume usado nas prisões norte-americanas, planta sempre uma gardenia toda a vez que desapparece um infeliz.
Segundo a opinião geral dos medicos de que a base do cranio é o centro do systema nervoso, é nessa parte do corpo humano que a justiça Americana põe a maior parte da energia electrica, nos casos de electrocução.
Edison, o grande inventor americano, é de opinião contraria, achando que os líquidos do corpo humano são melhores conductores da electricidade do que os ossos...

Uma execução

Assim descreve um jornalista um caso de electrocução.

O medo mata

O medo pode levar um homem covarde a rasgos de heroismo e pode tambem matar um individuo de coragem.
E, nesse caso, pode-se incluir o immigrante allemão, Gustavo Kross, de 25 annos de idade.
Esse homem era accusado de ter degolado o seu patrão.
Condemnado á electrocução, Kross deu mostras de grande terror, sendo preciso que lhe puzessem uma mordaça e lhe amarrassem a boca afim de que elle, com os dentes, não despedaçasse a lingua.
Pois, no dia marcado para a execução os carceireiros foram encontrar Kross morto, agarrado ás grades da cama...
O homem morrera de medo!

Estou no inferno!

Essa foi a expressão de um bandido celebre, no momento de ser elocutrado.
Cynico, extremamento cynico. Sam Periz, que era chefe de perigossissima quadrilha que operava na Lousania, passou os seus ultimos dias a fumar e a cantar, escrevendo repetidas cartas ao director da prisão reclamando contra o mau passado que lhe davam.
Conduzindo para a casa da morte, pouco antes de ser elocutrado, cumprimentou as pessoas presentes e disse:
- Estou aqui, estou no inferno!
E morreu!
O condemnado, recebeu a descarga e foi circumdado de pequenas chispas azuladas. As mãos se contorceram convulsivamente e a bocca teve um estremecimento horrendo, bestil, de féra degollada.
Os medicos auscultaram-lhe o coração. Ainda batia. Deram-lhe outra descarga e, já cadaver, foi levado para a sala de autopsias, que ficava no apartamento contiguo. O cerebro do condemnado, como de praxe, foi enviado para o laboratorio, afim de ser examinado.

A única esperança

BOSTON, 21 - O "comité de defesa parece haver dado como findo o seu combate abjectando salvar da cadeira eletrica os condemnados Sacco Vanzetti, annunciando hoje que o Juiz Brandeis, da Suprema Côrte dos Estados Unidos, se recusára a conceder a ordem de "habeas-corpus" impetrada a favor dos accusados.
O "habeas-corpus" alludido visava a suspensão da execução até que fosse apresentada á Suprema Côrte Federal nova appellação da sentença confirmada pela justiça de Massachussets.
A única esperança de salvação dos réos está agoara em novo adiamento ordenado pelo governador Fuller, como aconteceu a 10 do corrente, poucos minutos antes de iniciar-se o periodo em que os dois anarchistas seriam executados.
Se o governador Fuller não intervier antes de meia noite de amanhã, Sacco e Vanzetti poderão ser executados a qualquer momento, a partir daquella hora até meia noite da outra segunda-feira.

Nos meios Judiciaes de Washington

WASHINGTON, 21 - Nos meios judiciaes desta capital assegura-se que a Suprema Côrte Americana não receberá o recurso que da sentença da Federal Distriet Court lhe foi interposto pelo Comité de Defeza de Sacco Venzetti.

Dispersando violentamente manifestações

BOSTON, 21 - A policia desta cidade dispersou, hoje, violentamente, uma manifestação em que tomaram parte mais de 20.000 pessoas.
Foi empregada a cavallaria, que deu uma carga sobre as manifestantes.
A multidão precipitou-se deante dos cavalleiros, procurando, a todo transe, escapar ás patas dos animaes.
Não houve feridos.
O "comité" de defesa dos condemnados Sacco e Vanzetti pedirá "habeas-corpus" para a suspensão da execução, ao juiz-presidente da Suprema Côrte dos Estados Unidos, o ex-presidente Taft, caso o juiz Stone recuse tambem a medida, como fez o famoso juiz judeu Brandes.
O juiz Taft, presentemente, se encontra no Canadá.

O Encontro de Luigia Vanzetti com seu irmão

A sra. Luigia Vanzetti visitou sabbado seu irmão. Sua chegada á "Casa da Morte" occorreu ás 11 horas e 20 minutos da manhã.
Vanzetti foi trazido da sua cella, para o seu encontro de lagrimas com Luigia, a primeira vez que se viam frente á frente um do outro nestes ultimos deszenove annos.
Ambos abraçaram-se fortemente, e Luigia, chorando em desabafo, pareceu por um momento quase desmaiar, dando-lhe Vanzetti um pouco de agua para a reanimar.
Por entre prantos, ella conversou com Vanzetti em italiano e permaneceu ali cerca de uma hora.

As manifestações no exterior em Paris

PARIS, 2 - A manifestação projectada para hoje, a favor de Sacco e Vanzetti, foi prejudicada pela chuva que cahiu durante todo o dia.
Assim, a assistencia foi diminuta, nada se tendo registrado de anormal.
PARIS, 21 - Nos arredores desta Capital os communistas levaram a effeito hontem varios meetings de protesto contra a proxima execução de Sacco e Vanzetti. Nesses comicios não houve nenhum incidente.

Na Inglaterra

LONDRES, 21 - Houve, esta tarde, no Hyde Park, um grande comicio de protesto contra a execução de Sacco e Vanzetti.
Cerca de 12.000 pessoas applaudiram os discursos ali pronunciados.
Logo depois, a manifestação dissolveu-se, sem o menor incidente.

Na Argentina

BUENOS AIRES, 21 - Está-se intensificando nesta capital a reação operario contra a execução dos anarchistas italianos Sacco Venzetti.
A União Syndical Argentina realizou hoje um comicio de protesto, na praça Onze, sendo, porém, pouco concorrido.
Diversos gremios operarios se preparam para declarar amanhã a greve, a partir de meia noite.

Mais um pedido de clemencia

LONDRES, 22 (H) - A Legião Italiana da Grã-Bretanha passou um radiogramma ao presidente Coolidge, pedindo graça para os anarchistas italianos Sacco Venzetti.

A greve geral em S. Paulo

Attendendo ao appello de seus companheiros de todas as partes do mundo, e em signal de protesto pela electrocução de Sacco Vanzetti, os operarios de S. Paulo declaramaram-se hoje em greve geral.
Apesar da attitude pacifica dos paredistas, a policia está de promptidão, desde a madrugada de hoje, não se tendo registrado, até agora, o menor incidente.
Na Lapa, houve uma ameaça de conflicto, sem nenhuma repercussão.

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