CARTAS DA RUSSIA
A
condição social do sexo feminino
Apesar
de ser oriundo de familia abastada e, portanto, conservadora, uma
insaciavel ancia libertaria tem agitado o espirito aventureiro e
audaz de Astrogildo Pereira, um dos poucos brasileiros que conseguiu
visitar a Russia, convivendo com as principaes figura reformadoras
do paiz, e tomando parte nos congressos communistas.
Do que viu e ouviu, fez Astrogildo Pereira as interessantes revelações
que iremos pouco a pouco publicando.
Do ponto de vista economico, politico e social, não existe,
na Russia dos Soviets, nenhuma differença entre um homem
e um a mulher. O Estado Operario e Camponez só estabelece
distinção entre quem trabalha e quem não trabalha.
Regimen do trabalho, onde só aquelles que cumprem o dever
de trabalhar possuem plenos e eguaes direitos, à mulher operaria
correspondem, effectivamente, na sociedade sovietista, os mesmissimos
deveres e direitos exercidos pelo operario homem. Assim é
que as operarias russas, como seus companheiros do outro sexo, participam
activamente da vida politica do paiz.
A constituição da Republica dos Soviets reconhece
"o direito de votar e de ser eleito" a todos os "cidadãos
de ambos os sexos", que estejam nas condições
requeridas. Mas não só por occasião das eleições,
votando e sendo eleitas, são as mulhares russas collocadas
no mesmo pé de egualdade em relação aos homens;
sua participação na vida publica se verifica por toda
parte, na obra diaria e corrente, - nas fileiras do Partido Communista,
nos syndicatos e cooperativas, nas instituições de
qualquer genero ou nos departamentos quaesquer da administração.
Para citar apenas dois exemplos mais notorios, apontaremos os nomes
de Krupskaya e Kolontay - aquella, esposa e companheira de Lenine,
militante influente no partido, collaboradora de Lunatchasky na
obra de instrucção publica; esta, figura de primeiro
plano na revolução, grande oradora, tendo occupado
o posto de commissario do povo para a previdencia social e actualmente
exercendo o cargo de ministro plenipotenciario dos soviets na Scandinavia.
Alguns dados estatisticos - embora não muito recentes - darão
uma idéia da importancia do movimento das mulheres na Russia
revolucionária.
Foi em Novembro de 1918 que se reuniu, em Moscou, o primeiro congresso
pan-russo de operarias e camponezas, com a presença de 1.100
delegadas das fabricas e das empresas, dos syndicatos, do partido
e das camponezas pobres. O P.C. possue uma organização
especial - constituida e dirigida por mulheres communistas - encarregada
do trabalho de propaganda e agitação entre as mulheres
em geral. Realizam-se periodicamente, por toda a Russia, reuniões
de delegadas das operarias e camponezas sem partido. Nomeadas por
um periodo de 3 a 6 mezes, essas delegadas, durante esse tempo,
seguem um cyclo systematico de conferencias e leituras, tomando
parte na discussão sobre themas diversos, particularmente
sobre a constituição do partido e dos soviets. Turnos
de operarias são designados, pelas delegadas, para os serviços
technicos dos varios departamentos da administração
sovietista.
Havia, em toda a Russia, em 1921, mais de 60.000 delegadas, representando
cerca de tres milhões e meio de operarias e camponezas. Ao
fim de 1919, havia 150 delegadas a trabalhar nas secções
dos Soviets do governo (provincia) de Moscou. Em 1920, esse numero
subia a 244 na cidade e 231 nos departamentos. Muitas dessas mulheres,
operarias e camponezas, occupam postos responsaveis na administração.
Disto podemos dar testemunho pessoal, pois que tivemos mais de uma
opportunidade, em nossas visitas e pesquizas, de conversar e relacionar-nos
com varias camaradas do outro sexo, encarregadas de serviços
de maior responsabilidade, no Cimintern, na secção
de Moscou do partido, bem como em repartições administrativas.
Durante nossa permanencia em Moscou, publicaram os jornaes a noticia
de um caso, cujo relato vale por uma indicação concreta
da maneira pela qual se vae resolvendo, praticamente, o "problema
feminino" na Russia dos Soviets. Foi um caso de violação
do regulamento syndical e das disposições do Codigo
do Trabalho, occorrido na Typographia Modelo de Moscou. O operario
impressor Dubov, empregado ahi como instructor, era accusado de
haver perseguido mulheres collocadas sob suas ordens e de as ter
ameaçado, si se recusavam a satisfazer suas propostas.
O accusado foi submetido a processo de disciplina, na presença
de todos os operarios e operarias, que ali trabalham, em numero
superior a um milhar. A corte de julgamento foi escolhida pela propria
assembléia, que debateu o caso em plenario. O processo terminou
pela sentença seguinte:
"O camarada Dubov é reconhecido culpado de se prevalecer
de suas funcções de instructor e da autoridade de
sua situação para fazer propostas deshonestas às
mulheres sob suas ordens, embora saiba elle perfeitamente que a
revolução sovietista deu às mulheres egualdade
de todos os direitos e que toda violação desses direitos
deve ser rigorosamente punida. Por essa offensa a côrte condemna
o camarada Dubov a ser suspenso do syndicato por seis mezes e pede
a sua demissão da officina, sem qualquer compensação."
Comparemos isto e o que se passa, quotidianamente e impunimente,
no mundo capitalista, em fabricas e officinas onde trabalham mulheres.
Todos os valores se vão transformando, na Russia proletaria.
Nova economia. Nova politica. Nova moral.
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