MORREU O PAPA PIO XII


Publicado na Folha da Manhã, quinta-feira, 9 de outubro de 1958

Neste texto foi mantida a grafia original

Orai, Orai! — foram as ultimas palavras do chefe da igreja catolica

Cidade do Vaticano, 9 — Faleceu Sua Santidade Pio XII, Bispo de Roma, Vigario de Jesus Cristo, Supremo Pontifice da Igreja Universal, Patriarca do Ocidente, Primaz na Italia, Arcebispo e Metropolitano da Provincia Romana e Soberano do Estado da Cidade do Vaticano.

3 h 52

Castel Gandolfo, 9 — O locutor da Radio do Vaticano anunciou:
— "Com a alma profundamente penalizada vos damos agora, às 3h 56, a seguinte informação:
"Pio XII morreu."
A seguir informou que a morte ocorrera às 3 h 52 (local).

A Agonia

Castel Gandolfo, 8
- Todos os cardeais presentes em Roma se achavam esta noite reunidos na antecamara do papa, enquanto este esperava a morte no simples leito de ferro de seu dormitorio do segundo andar do Palacio de Verão.
O papa entrou em coma depois de sofrer um segundo ataque cerebral às 6 h 30 GMT de hoje. No meio da tarde se anunciou, oficialmente, que o pontifice não havia reagido ao energico tratamento a que fora submetido durante o dia para impedir um "colapso cardio-pulmonar" e que seu estado se havia agravado.
Pouco mais tarde, a radio do Vaticano confirmou que "a cardio-pneumonia se havia declarado definitivamente".
As ultimas palavras do pontifice, antes de entrar em coma foram:

"Orem, orem para que termine esta situação lamentavel para a igreja."

Os dois assessores papais que ouviram essas palavras junto ao leito - monsenhor Canisio Van Lierde, sacristão papal e monsenhor Mario Nasalli-Rocca, camerlengo do papa - as interpretaram no sentido de que o papa desejava morrer rapidamente para impedir que uma incapacidade prolongada pudesse deixar a Igreja sem seu chefe por um periodo indefinido.
Os sobrinhos do papa, os principes Carlo, Macantonio e Giulio Pacelli achavam-se tambem na antecamara ouvindo, através da porta entreaberta, a dificil respiração do pontifice em seu leito de morte. Sua irmã mais velha, condessa Elisabetta Rossinani, abandonou o palacio de verão durante a tarde com os olhos marejados de lagrimas.
A radio Vaticano começou a transmitir incessantemente um relato sobre o desenvolvimento da agonia do pontifice, de seus proprios aposentos em Castel Gandolfo.
As noticias fizeram-se mais e mais graves à medida que transcorriam as horas.
Ontem, por algumas horas, uma assombrosa reação do pontifice fez surgir esperanças de que poderia sobreviver ao primeiro ataque cerebral, e mesmo esta manhã, depois de uma recaida produzida nas ultimas horas da noite de terça-feira, essas esperanças ressurgiram depois que o papa pode passar uma noite "tranquila", segundo anunciou o pro-secretario adjunto do Vaticano, monsenhor Angelo Dellacqua.
Quase ao mesmo tempo, contudo, anunciou-se oficialmente que o pontifice havia sofrido um segundo ataque cerebral, às 7 h 30.
O primeiro anuncio do dia dizia que Pio XII, depois de passar a noite relativamente tranquilo, havia sofrido novamente uma "alteração circulatoria leve, similar à de segunda-feira passada", mas que os sintomas de complicações tendiam a desaparecer.
Depois, a radio do Vaticano revelou, pela primeira vez, que o papa havia entrado em estado de coma.

Não pôde comungar

"Às 8 h 15, o santo padre pediu a sagrada comunhão, disse o locutor. Um dos sacerdotes se preparava para dar-lhe a comunhão quando isso já se fez impossivel."
O sacerdote, acrescentou a emissora, se limitou, então, simplesmente, a dar-lhe a absolvição. O papa já havia recebido a extrema unção, o ultimo sacramento da Igreja, pouco depois de sofrer seu primeiro ataque cerebral, segunda-feira.
Ao meio-dia, a emissora do Vaticano anunciou uma ligeira melhora, mas pouco depois das 16 horas (15 MGT) um novo boletim medico revelou que se havia produzido "um grave colapso cardio-pulmonar" e que o tratamento não havia dado os resultados esperados. Minutos mais tarde, a radio anunciou que a pneumonia se havia declarado.
Às 15 h 35 (16 h 35 (G.M.T.), o locutor informou que as esperanças se haviam já "quase completamente desvanecido".
Às 18 horas (17 G.M.T.), a emissora anunciou que o enfermo se achava "nos estertores da morte".
A essa hora, segundo os anuncios oficiais, a temperatura do pontifice havia subido a mais de 38 graus, aumentando tambem consideravelmente a pressão arterial.
Sempre transmitindo da antecamara do papa, o padre Pellegrino disse:
— "Os proprios medicos estão mostrando visivelmente seu desalento. Na antecamara, reina uma atmosfera de inquietação resignada e serena. Na capela contigua à habitação do Santo Padre, sacerdotes e membros da familia do papa se acham em oração.
"Através da porta, que está entreaberta, podemos ouvir às vezes a pesada respiração do augusto paciente".
As 19 h 30 (18 h 30 GMT), a radio anunciou que não se haviam produzido novas modificações na saude do papa nas duas ultimas horas, mas que a pressão arterial havia subido já a 180.
"Não se chegou ainda a falar de agonia, acrescentou então o locutor, mas temos ouvido usar junto a seu leito a expressão "estado pré-agonico".
O padre Pelegrino, em uma entrevista pela cadeia e televisão do Estado italiano, disse, mais tarde, que o papa jazia com um crucifixo no peito e um rosario nas mãos.
"Nestes momentos não mostra reação alguma aos estimulos externos e respira muito pesadamente, acrescentou.
O padre reiterou que, até às 15 horas (14 GMT), os médicos haviam abrigado, todavia, alguma esperança, mas que, depois dessa hora, ela se desvaneceu por completo.

Lucido ontem à noite

"Ontem à noite, o Santo Padre estava muito lucido —continuou. Sabia que a multidão orava na praça em frente à vila de verão. Sabia tambem que haviam chegado cabogramas do presidente da Italia, do presidente Eisenhower, da rainha Elizabeth e de muitos, muitos outros lugares do mundo".
Tambem disse que, até ontem à noite, o papa continuou discutindo os assuntos do Vaticano com monsenhor Dellacqua.
"Ontem à noite —acrescentou— o Santo Padre se sentia muito agradecido pelas preces elevadas por ele."
"Há poucos momentos —disse tambem— beijei a mão do papa em nome de todos os italianos".
O locutor oficial declarou que quase todos os cardeais atualmente na Italia se achavam na vila de Castel Gandolfo, inclusive o cardeal Pietro Fumasoni Biondi, prefeito da Sagrada Congregação para a Propagação da Fé. O cardeal Biondi, de 86 anos, está quase cego.
O padre Pellegrino revelou tambem que o especialista suiço, dr. Paul Niehans, se achava na vila com os outros quatro medicos que assistiam o papa: os professores Ricardo Galeazzilisi, Ermanno Niganzzani, Antonio Gasbarrini e Ferdinando Corelli, informou, às 22 h 30 (21 h 30 G.M.T.) a radio do Vaticano começou a transmitir um rosario recitado em latim por um grupo de crianças, depois de pedir a todos os fiéis que se unissem à oração.

Progressivo enfraquecimento do coração

Castel Gandolfo, 8
— A radio do Vaticano informou, as 22 h 30 (21 h 30 G.M.T.), que o papa Pio XII continuava ainda com vida, mas que sua temperatura havia subido já mais de 40 graus.
"Pode-se dizer já com certeza que o prognostico (predição do desenlace) é fatal", declarou o locutor da radio do Vaticano, padre Francisco Pellegrino, atribuindo esse juizo aos quatro medicos que atendem ao pontifice.
O padre Pellegrino disse que "o colapso cardio-respiratorio mencionado no boletim medico (da tarde) deve produzir-se durante a noite".
Ao mesmo tempo que a febre do pontifice subia consideravelmente, a pressão arterial baixou de 180 para 150, acrescentou o locutor.
O padre Pellegrino expressou, igualmente, que o estado do papa "piora de momento a momento".
Em uma entrevista posterior pela televisão e uma anterior declaração aos jornalistas, Pellegrino acentuou:
— "O estado do papa piora consideravelmente."
— "Devemos dizer que seu coração já não responde como há algumas horas."
— "O Santo Padre jaz imovel no leito. Não é possivel aplicar-lhe injeções ou tratamento algum, por causa de sua debilidade."

Musicas funebres

Cidade do Vaticano, 8 — As horas finais do papa Pio XII foram descritas, hoje, pela voz emocionada de um sacerdote catolico que transmitia pela Radio do Vaticano da ante-sala do aposento em que se achava o Santo Padre.
Pela primeira vez nos dois mil anos de historia da Igreja Catolica Romana, proporcionou-se ao mundo uma descrição, hora por hora, dos instantes de agonia de um sumo pontifice.
Entre os anuncios em idiomas italiano, francês, alemão e inglês, a Radio do Vaticano transmite musica funebre, interrompida por periodos de silencio.
O padre Francesco Pellegrini, da emissora oficial do Vaticano, transmitiu esta manhã o primeiro boletim em que se anunciou que o papa, pouco depois das 11 h 30 (G.M.T.), sofrera seu segundo ataque cerebral, em 48 horas.
Ao dar a noticia do segundo ataque, Pellegrini, com a voz grave, disse aos ouvintes: "Não transmitimos essa noticia para causar alarma excessivo, mas sim para que não se alentem demasiadas esperanças".
Mais tarde, disse que os medicos assistiam o papa Pio XII "ininterruptamente", e deu uma lista das personalidades que esperavam na antecamara, entre elas os cardeais Clemente Micara, Gregory Agaginian e Valerio Valeri, e o pro-secretario de Estado do Vaticano, monsenhor Domenico Tardini.
O padre Pellegrini encareceu aos ouvintes que orassem pela vida do chefe da Igreja Catolica, e começou a pedir aos fiéis que "intensifiquem as orações para que se cumpra a vontade de Deus."

Jornais romanos anunciaram ontem a morte

Roma, 8 — Jornais romanos, foram apreendidos durante o fim da manhã por terem publicado edições especiais anunciando a morte do papa. Esses jornais publicaram no inicio da tarde novas edições, das quais toda a primeira pagina e numerosas colunas internas são dedicadas à doença do Sumo Pontifice. Eles são comprados logo que chegam às bancas.

Reação do publico

Roma, 8 — O publico que se encontrava nas galerias Colonna, uma das vias mais transitadas de Roma, tomando conhecimento de que o papa não tinha morrido, contrariamente ao que anunciavam certos jornais, agrediu os apregoadores desses jornais, que não tinham sido totalmente apreendidos, após a ordem da Prefeitura da Policia italiana.

Objetos pessoais de Pio XII

Cidade do Vaticano, 8 — Entre os objetos pessoais de Pio XII, que irmã Pasqualina põe religiosamente em ordem, figuram um passaporte e um relogio.
O passaporte, estabelecido em nome de Eugenio Pacelli, leva a data de 29 de fevereiro de 1939. É assinado pelo substituto do Secretario de Estado, que era então mons. Domenico Tardini. Essa data de 29 de fevereiro de 1939 é a da abertura do conclave que devia elevar ao Trono de São Pedro o cardeal Pacelli. Mas este o mandara fazer, certo de que seu titulo de secretario de Estado o impediria de ser eleito (os precedentes eram com efeito extremamente raros) e que poderia ir imediatamente após para a Suiça. Ele não deveria deixar a Cidade do Vaticano e as proximidades imediatas de Roma.
Quanto ao relogio, é de marca estrangeira. Pio XII, desde o inicio de seu pontificado, quase não se servia dele em publico, mas antes era celebre pela mania que tinha de tirá-lo perpetuamente de seu bolso e de consultá-lo sem proposito.

Pressentimento

Castel Gandolfo, 8 — O papa parecia pressentir seu fim proximo. Com efeito, aqueles que estavam ao seu lado, no domingo, quando, pela ultima vez, surgiu na sacada do Palacio pontifical e respondeu, como de habito, com largos gestos das mãos às aclamações da multidão, ouviram-no pronunciar, a meia voz, em tom pungente: "Adeus, adeus."


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