OS DESCENDENTES DOS INCAS
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Publicado
na Folha da Manhã, terça-feira, 8 de setembro
de 1925
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Neste texto foi mantida a grafia original
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O triste estado a que estão reduzidos os representantes
da extraordinaria raça de Manco Capac
O índio peruano de hoje não tem os mesmos costumes dos
seus ancestraes.
Vive, tambem, uma vida differente da nossa e nutre sentimentos bem
diversos dos que abrigamos em nosso intimo.
O carater genuino do indio peruano soffreu profundas modificações,
que tiveram seu ponto de partida com a ruina do Imperio dos Incas.
E' um elemento que permanece fora das vibrações de collectividade.
Grande parte dos factores determinantes da evolução
humana estão ausentes na sua raça e por isso ella tende
a desapparecer. Demais, o branco conspira incessantemente contra ella.
Os descendentes dos Incas perderam toda a sua força e são
incapazes de reagir.
As suas energias moraes degeneraram em altitudes esporadicas, incoherentes,
contradictorias.
A sua consciencia é ennuviada pela acção mecanizadora
do trabalho rude de escravo e pelas funestas consequencias do alcool
e da cocaina.
O desiquilibrio psychico caminha acceleradamente para uma triste degeneração.
Mas, si o seu estado moral apparece gravemente alterado, não
se póde presumir dahi a sua total incapacidade intellectual.
Historicamente o índio peruano representa uma grande vontade
servida por uma inteligencia mediocre. Elle sabe pouco, mas o que
sabe é bem sabido. Por isso é um operario ideal para
certos trabalhos manuaes nos campos e nas officinas.
Parece que está imbuido por um amor panteistico pela terra
que lhe dá fructos e pelas mattas, que lhe dão caça.
A Ihama acompanha-o nas suas peregrinações.
Trabalha apenas para supprir as suas necessidades immediatas. E' hypocrita
para com os brancos e, si este tenta alguma coisa contra os seus,
então se torna rancoroso e vingativo.
Não é mais, enfim, o índio alegre, que adorava
o sol como pae de todas as coisas, que cultivava a terra com amor
e que se entregava, de vez em quando, a festejos imponentes.
O seu único divertimento é a musica. Os instrumentos
de que serve, esses são identicos aos do tempo do Imperio dos
Incas. São as "quenas", que elle mesmo fabrica. E'
semelhante á clarineta, tendo apenas sete furos, correspondentes
ás sete notas musicaes.
A "quena" tem som lugubre, mas agradavel; nada mais melancolico
do que escutar as suas tristes melodias na infinita solidão
da "puna" em uma noite de luar. E' uma musica intima, que
traz recordações e desperta a saudade.
A musica do índio peruano tem sido simplificada. E' monotona
e carece de frondosidade.
Alguma coisa de semelhante com isso existe na dança.
No principio de um divertimento os animos expandem-se jocosamente.
Todos se entregam á musica, ao canto e á dança.
A conversação é animada: o sorriso apparece em
todas as boccas. Mas pouco a pouco, após repetidas libações
de "chicha", bebida feita de milho, a alegria diminue, as
hoccas se fecham, a musica se faz mais triste e o canto degenera em
choro e abatimento.
As festas, portanto, acabam à maneira de funeraes.
Os índios do Perú são aproveitados nas fazendas
em que se cultivam o café, o cacau, e a mandioca ou nos trabalhos
de mineração.
Gostam muito de fabricar objectos de terra cota.
Quando não têm o que comer, mastigam folhas de coca,
que lhes faz esquecer a fome.
Como se vê, os actuaes índios do Perú são
bem differentes dos seus aguerridos ancestraes, cuja civilização
causou pasmo aos europeus quinhentistas.
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