Marcelo Coelho
Era uma vez um pato chamado Milton. Sei que Milton não é
nome de pato. Mas esse se chamava assim, e você vai logo saber
por quê. Quando ele nasceu, todos tiveram a maior surpresa.
Aliás, não foi quando ele nasceu, foi quando viram
que o ovo dele - quer dizer, o ovo que depois seria ele - não
era um ovo de pato comum. Era meio azulado e brilhante, quase como
um ovo de Páscoa. Mas ovos de Páscoa são embrulhados.
Esse ovo não era; a casca é que era meio azul. Os
pais de Milton, quando viram o ovo no ninho, foram logo perguntando:
- Mas que é que este ovo está fazendo aí?
- Isso não é ovo de pato.
- Acho que é ovo de galinha.
- Não seja bobo! Galinhas têm ovos brancos!
- Brancos nada! Já vi uns que são meio amarelos, meio
beges. Se ovos de galinha podem ser amarelos, por que é que
não podem também ser azuis?
- Bom, então pode ser que seja um ovo de pato. Vai ver que
também existem ovos de pato que são azuis.
Acharam melhor esperar para ver o que acontecia.
Um dia, a casca azulada do ovo começou a se quebrar e de
lá saiu um lindo patinho. Era azul? Não, não
era. Era um patinho normal. Só que muito mais bonito que
os outros. Não sei bem como é que um pato normal pode
ser mais bonito que os outros; mas os patos sabem. Acharam ele tão
bonito que resolveram logo uma coisa. Não era justo dar para
ele um nome qualquer. Ele era diferente. Era mais bonito. Como é
que poderia tem um nome comum, como "Quém quém?".
- Esse nome é para patos comuns, disse a mãe dele.
- Então vamos chamá-lo de Quá-quá, disse
a madrinha dele.
- Isto também é para patos comuns, sua boba!, respondeu
a mãe. Eu quero que ele seu chame Milton.
- Ela gostava do nome Milton. Todos acharam meio estranho, mas acabaram
concordando que um patinho tão bonito merecia um nome especial.
O tempo foi passando, e Milton era o patinho mais bonito da escola.
Todos olhavam para ele e diziam: "Como ele é bonito!"
Ele se olhava no espelho e dizia: "Como eu sou bonito!"
E ficava pensando: "Sou tão bonito que talvez eu nem
seja um pato de verdade. Tenho até nome diferente. Meu ovo
era azul. Eu me chamo Milton. Quem sabe eu sou gente?
E Milton começou a ficar meio besta. Diziam: "Milton,
vem nadar!" Ele respondia: "Eu não. Pensam que
eu sou pato como vocês?" Todos os outros patos começaram
a achar o Milton meio chato. Ele foi ficando sozinho. E dizia: "Não
faz mal. Sou mais bonito. Vou terminar na televisão. Vou
ser o maior galã".
Uma noite Milton resolveu fugir de casa. Foi até a cidade
para tentar entrar na televisão. Quando chegou na porta da
estação de TV, foi logo dizendo: "Eu me chamo
Milton. Além de bonito, acho que eu tenho muito talento artístico".
Ele tinha jeito para ser ator de novela. Juntou gente em volta.
"Ih, não enche", disse alguém. "Todo
dia alguém arranja uma fantasia de bicho e vem aqui procurar
lugar na televisão".
- Mas você não vê que eu não estou fantasiado?
Perguntou Milton. Seu eu estivesse usando uma roupa de pato, se
eu fosse uma pessoa com roupa de pato, eu seria da sua altura. Mas
eu sou baixinho como um pato! Como um pato de verdade!
- Então como é que você sabe falar?
- Mas os patos falam!! disse Milton, quase chorando.
- Não vem com essa, ô malandro, disse um guarda que
estava ali perto. Para mim você é um pato mecânico.
Deve ser uma espécie de robô com um computador na cabeça!
E o guarda foi logo agarrando o Milton para arrancar a cabeça
dele e ver o que tinha dentro.
- Me larga! Me larga! Gritava Milton. "Eu sou um pato! Um pato
de verdade! Sou um PATO! Um PATÔÔÔ..."!
De repente Milton teve um estremeção. Abriu os olhos
e viu que estava em casa. Ele tinha sonhado. Olhou para seus pais,
ainda meio assustado, e disse:
- Eu sou um pato... eu sou um pato...
E seus pais disseram:
- Puxa, ainda bem que você se convenceu!
- É mesmo, já estava na hora de você achar que
era um pato mesmo!
- É, todo mundo estava cheio dessa história de achar
que não era um pato, que era diferente...
Milton ouviu tudo aquilo e ficou pensando: "Puxa, ainda bem
que eu sou um pato, um patinho como todos os outros! Ainda bem!".
E daí por diante não havia pato mais contente, que
tivesse mais vontade de nadar na lagoa, do que o Milton. De vez
em quando ele ainda dizia: "Sou um pato! Um pato mesmo!".
E dava um suspiro de alívio.
|