Marcelo Paiva
Era quente pra danar. Calor, calor e calor. O único momento
em que dava pra respirar, fazer um descanso, era debaixo das árvores,
chupando sorvete. Seu Henrique vendia sorvete adoidado. Ainda bem
que ele era generoso, gente boa, e vendia sorvete fiado. Só
cobrava no começo do mês, quando os pais recebiam o
salário, e a molecada ganhava as mesadas.
Mesmo assim, seu Henrique fazia umas contas malucas, sempre cobrando
menos do que a molecada devia. O curioso é que, quando o
pai de um perdia o emprego, seu Henrique perdia o bloquinho que
anotava as contas do moleque, e não cobrava nada.
Mas um dia, seu Henrique teve que viajar, para comprar uma máquina
que deixaria o sorvete mais barato ainda. Ele deixou seu filho,
Pedro o Louco, moleque barrigudo e cheio de panca, vendendo os sorvetes.
Pra quê.
O cara dobrou o preço, não vendia mais fiado, e ainda
batia em quem não pagasse as dívidas antigas; diziam
que Pedro o Louco queria roubar o pai para montar sua própria
sorveteria.
O calor foi de matar. Nem dava vontade de ficar na rua brincando,
jogando, jogado na sombra, nada. Foi todo o mundo brincar, cada
um no seu canto, com a porta da geladeira escancarada.
Vendo a rua vazia, com saudades dos amigos, e com muito calor, Robertinho
o Urso ficou pê da vida. Era o líder da turma. Namorava
uma menina toda linda, rica e tudo o mais, que até brincava
com a turma, mas que mais namorava Robertinho que brincava. Tava
certa ela. Tavam certos os dois. Todo o mundo um dia pára
de brincar para namorar. Robertinho sabia o que fazia.
Chamou Zezinho o Grandão. Os dois eram bons de briga. Só
perdiam para Pedro o Louco, maldoso, que, em qualquer confusão,
chamava seu irmão mais velho para lhe dar cobertura. Robertinho
sabia que para lutar com Pedro o Louco era usando a inteligência.
Num Domingo de calor, pra variar, Robertinho e Zezinho enganaram
Pedro o Louco. Com a ajuda da namorada, que emprestou a grana, compraram
um ingresso de numerada para um jogo no Morumbi, e deram de presente
para Pedro. Prometeram tomar conta da sorveteria. Pra quê.
Quando Pedro foi pro jogo, eles chamaram todo o mundo, e distribuíram
sorvete de graça. Foi uma festa. Nunca juntou tanta molecada
debaixo das árvores.
O legal é que, de surpresa, seu Henrique voltou da viagem
com a tal máquina, e nem se importou. Participou da festa,
e dava muitas gargalhadas. Só Pedro o Louco é que
se ferrou. Além de assistir a maior goleada que seu time
já tomou, no Morumbi, ficou de castigo por ter mudado os
preços dos sorvetes, o que fez com que ninguém comprasse
durante a viagem do pai, dando o maior preju.
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