O ASTRANAUTA E AS JABUTICABAS

(Histórias da Tia Lenita)

Publicado na Folhinha, domingo, 11 de fevereiro de 1968

Neste texto foi mantida a grafia original

Toquinho não perdia a mania de ser escritor espacial. Assim que acabou de almoçar foi para o pomar colher algumas mangas que devorou em minutos; agarrou sua máquina de escrever e sumiu pelo quintal à procura de um lugarzinho tranquilo para escrever.
- Esse menino vive vestido de astronauta - reclamou o pai.
- É mesmo - disse dona Inácia - ele só pensa em foguetes, disco voador e diz que um
dia um marciano virá comer mangas com ele no pomar.
- Agora diz que vai ser escritor - falou o irmão Juca - e que vai inventar uma história de um menino de Vênus que conversava com anjos.
- Ele me parece é um pouco birutinha - disse o pai.
- Que biruta que nada - replicou dona Inácia. Isso é mania de menino moderno. Não vê só o Quinzinho que quase botou fogo na casa com essa doidice de fazer experiências científicas na sala de jantar?
Mas Toquinho nem queria saber dessas lengas-lengas. E vestido como um menino vindo do espaço sentou-se ao pé de uma jabuticabeira para escrever.
Era escrever um pouquinho e arrancar uma jabuticaba poupuda da árvore. Duas palavrinhas aqui, três jabuticabinhas ali. Uma frase mais comprida e umas vinte jabuticabas que iam para o papo.
Até que começou a ouvir o ruído de um foguete espacial que pousou macio no canteiro de alfaces. E de lá saíram quatro anjinhos com uma roupinha muito psicodélica (pergunte ao papai o que é isso e se ele também não souber não se espante), dessas que os jovens modernos usam. Tinham até cinturão e bota.
Toquinho nem sabe como eles começaram a cantar. Um tocava guitarra e o outro flauta. E sabiam todas as músicas do momento. Ah! Mas tinha um anjo que dormia mais do que o Dorminhoco da Branca de Neve. Roncava, roncava e não dava bola para nada. O anjinho cantor arrancava as florzinhas e dizia que em Vênus não tinha isso, não tinha aquilo. E que jamais tinha visto uma jabuticaba na vida.
- Então experimente uma - ofereceu Toquinho.
E não precisou oferecer mais. Os quatro anjinhos puseram-se a estalar jabuticaba que não acabava mais. Um diabinho no seu foguete conversível gritava lá de cima:
- Comam, comam jabuticaba. Empanturrem-se, acabem com as jabuticabas.
- Não, não - gritava um anjinho tocador de harpa. Parem! A gula é um dos sete pecados capitais!
Mas os anjinhos não queriam ouvir o anjo que representava o bem e só davam ouvidos aos conselhos do diabinho que representava o mal.
Por sua vez, Toquinho também acompanhou os seus amiguinhos na gulodice e comeu tanta jabuticaba que até ficou tristinho e já não podia continuar a sua história. Começou a ver uma porção de outros mundos com cara medonha olhando para ele lá de cima. Viu meteoros, estrelas loquinhas e até balão de gás levando recados para o céu.
E foi aí que a sua inspiração foi cortada por uma forte dor de barriga e então Toquinho abriu os olhos muito assustado e percebeu que tudo não passara de um pesadelo.
- Não dizia eu? - falou dona Inácia ao pé da sua cama durante três dias. Não dizia que a gulodice sempre acaba mal?
A lição serviu. Toquinho nunca mais devorou mangas e jabuticabas. Mas acabou arranjando um tema para a sua história. "O astronauta e as jabuticabas".

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