Certa
vez, apareceu na margem de um rio uma tribo que só tinha
mulheres jovens e homens velhos, que não podiam ter filhos.
Os índios estavam tristes, porque as mulheres estavam com
medo de sua gente desaparecer.
O Sol, para resolver a situação, mandou seu filho
à Terra com a missão de trazer fertilidade à
comunidade. Jurupari trouxe também leis e regras para organizar
a aldeia. Para facilitar o trabalho, o Sol deu a Jurupari um saquinho
com pedras mágicas, que serviam para fazer feitiço.
O Sol disse:
Aqui está, meu filho. Com elas, você governará
os homens e as mulheres. Tudo quanto você quiser fazer, achará
aqui, e todos ouvirão o que ensinar.
Na Terra, Jurupari nasceu de uma índia, chamada Ci, que não
precisou se casar para engravidar. Tudo aconteceu de acordo com
a vontade do Sol, que fez uma mágica para Ci. Certa manhã,
a índia saiu para passear e viu macacos-da-boca-preta comendo
as frutas do uacuzeiro.
Ci quis experimentar um uacu. Provou o fruto, e o suco escorreu
pelo seu corpo, até o ventre. A jovem notou que sua barriga
crescia.
O conselho de velhos da aldeia quis saber quem era o pai do bebê,
para matá-lo. Ci explicou que só tinha comido os frutos
do uacuzeiro.
Nove luas depois, Ci deu à luz um bonito curumim. Ele ganhou
o nome de Jurupari ou Izi, que quer dizer "o que nasceu da
fruta".
Bebê invisível
No mesmo dia, Jurupari desapareceu. Para aliviar a tristeza, Ci
foi para perto do uacuzeiro. Ao sentar-se embaixo da árvore,
sentiu uma criança mamar em seu peito. Não podia ver
o menino, apenas sentia. Todos os dias, a índia ia até
a árvore, e o bebê mamava misteriosamente, sem a mãe
lhe ver. Ci sentava-se na sombra e ouvia Jurupari correr e brincar
em volta dela.
Chegou num incêndio
Tempos depois, quando já era um homem, Jurupari apareceu
na aldeia. Chegou de surpresa, de modo assustador, como num incêndio:
bonito, com fogo saindo das mãos e dos cabelos. Toda a aldeia
se aproximou, impressionada.
Os índios falavam ao mesmo tempo, mas queriam a mesma coisa:
que Jurupari fosse o chefe. O índio disse:
Não posso ser o chefe, porque ainda não tenho a
pedra nanacy, que está na serra do Gancho da Lua.
As mulheres da aldeia formaram um grupo para ir à serra buscar
a pedra. Nesse tempo, as mulheres dividiam o poder com os homens
e tomavam decisões importantes. Os homens também quiseram
ir buscar a pedra. Para resolver a disputa, os feiticeiros assopraram
para ver quem iria. Disseram depois:
As mulheres não podem pegar na pedra. E não deram
explicações. Os índios começaram a brigar.
A mágica
Então Jurupari tirou do saquinho umas panelinhas mágicas.
Pôs fogo e breu e os colocou para ferver. Quando ferveram,
soltaram fumaça, de onde saíram morcegos, jacamins,
uakuraus, murucututus, iakurutus, andorinhas e gaviões. Quando
o gavião-real saiu da fumaça, Jurupari disse:
Gavião-Real, leve-me à serra do Gancho da Lua. Solto
você depois que voltarmos.
Chegando à serra, a Lua reconheceu Jurupari como o enviado
do Sol. Deu a ele nanacy, a pedra da energia com que poderia governar
a Terra. A Lua falou:
De hoje em diante, você será o chefe de sua aldeia.
A Lua explicou a Jurupari como deveria governar. Ao voltar às
margens do rio, Jurupari tornou-se o primeiro chefe a mando do Sol.
Criou frutas
Jurupari mandou embora o gavião, chamou os anciões
e os feiticeiros e distribuiu as leis às quais os índios
deveriam obedecer. Dividiu o trabalho entre homens e mulheres. Fez
panelas, ensinou a fazer farinha. Passou a dizer com quem um índio
podia e com quem não podia casar. Acabou com o conselho de
anciãos e tirou o poder das mulheres.
O herói deu arco aos índios e cestas às mulheres,
que não podiam pegar nos arcos, assim como os homens eram
proibidos de tocar nos cestos. Eles ficaram com o trabalho de caçar
e as mulheres, com o de cuidar das plantas, arrancar raízes
e preparar o beiju.
Jurupari contou aos velhos e aos feiticeiros tudo quanto a Lua lhe
dissera e pediu que guardassem segredo. Criou a casa dos homens
e disse:
As mulheres que quiserem saber esses segredos morrerão.
Os homens que contarem morrerão.
Depois de falar, Jurupari chorou. Suas leis eram duras, e ele sabia
que deveriam ser seguidas, até pela mãe.
Muitos índios ficaram tão aborrecidos com as novas
regras que resolveram matar Jurupari. Eles inventaram um plano.
Os velhos prepararam uma festa, embriagaram Jurupari com caxiri,
bebida de mandioca, e o incendiaram.
O fogo espalhou-se e tomou conta da floresta. Mas Jurupari era mágico,
e de suas cinzas nasceu a chuva, que apagou o incêndio. Das
cinzas, nasceu também o pé de uatanhom, que cresceu
alto e levou a alma de Jurupari ao céu, além de outras
árvores de frutas gostosas, como açaí, bacaba,
ingá e miriti, que todo ano frutificam com a chuva.
O Sol ficou furioso com os velhos. Depois da morte deJurupari, mandou
um raio que queimou a mata. No incêndio, fez com que os índios
que deram a bebida ao chefe se transformassem em estrelas. Ci estava
entre eles.
Para os índios não esquecerem essa história,
o Sol, até hoje, manda o espírito que surge do fogo
na forma de pesadelo para atormentar o sono das pessoas. Para evitar
isso, os índios fazem festas e tocam flauta para Jurupari
e ainda guardam os segredos de serem homens, que só os homens
sabem, e os segredos de serem mulheres, que só as mulheres
conhecem.
Jurupari volta à Terra todos os anos, na mesma época,
para visitar as comunidades. As aldeias que contam essa história
escolhem o momento de sua chegada para fazer festas e celebrar casamentos.
Como Jurupari chorou depois de ter distribuído as leis, sempre
que há chuva e sol ao mesmo tempo significa que o espírito
de Jurupari está perto. Jurupari teve muitos seguidores,
que conservaram as leis de uma sociedade que aprendeu a guardar
segredo de suas festas sagradas.
Lenda
adaptada por Mônica Rodrigues da Costa, Paula Medeiros de
Oliveira e Paulo Pedro Costa.
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