FLORESTAN
FERNANDES
Relatório
recente do Banco Mundial, colocando o Brasil em último lugar - o
pior quanto à distribuição de renda - projetou o país nos noticiários
e provocou reações dolorosas entre as elites. Isso surpreende, pois
o fato já é mais que sabido. Desde a década de 1940, o IBGE publica
análises cuidadosas sobre o assunto e especialistas vêm dedicando-se
ao estudo sistemático de nossa concentração de renda.
A
repercussão dessas questões no exterior costuma ser recebida pelas
classes dominantes nativas como um golpe. Elas ressentem-se da brecha
em sua credibilidade e eficiência perante os países "civilizados''.
Sua sensibilidade, porém, passa longe do equacionamento e correção
do drama social.
O
relatório repete velhas e conhecidas conclusões. Apregoou-se que
o desenvolvimento econômico atenuaria o descalabro. Entretanto,
seus três ciclos - urbano, urbano-industrial e macroindustrial -
produziram resultados perversos. Sem se conjugar à democratização
da sociedade, cada um deles promoveu maior enriquecimento dos ricos
e remediados, que, para o povo, também são ricos...
Em
1962, durante congresso da Sociedade Brasileira de Sociologia, salientei
esse fato: a riqueza pública era reiteradamente deslocada para setores
que não se comprometiam com nenhum dever social. Contudo, dado o
apego hipócrita ao "desenvolvimentismo'' desenfreado vigente à época,
a denúncia caiu no vazio.
Hoje,
aponta o Banco Mundial, os 10% mais ricos abocanham parcelas crescentes
da riqueza do país (51,3%), enquanto os 20% mais pobres vêem decrescer
sua participação na renda nacional (2,1%). Velhos problemas que
não desaparecem por meios espontâneos!
Preocupados
com a desigualdade interna, países capitalistas centrais montam
programas como o Tennessee Valley Authority, nos EUA, buscando modificar
esse panorama. Sabem que a unidade nacional e o próprio desenvolvimento
econômico, cultural e político são afetados pelas diferenças regionais
de participação na riqueza.
No
Brasil, sempre se seguiu a rotina de privilegiar os privilegiados,
sem tentativas frutíferas de intervenção programada na distribuição
da renda. Mantêm-se níveis salariais os mais baixos possíveis, como
desvalorização brutal do trabalho e intensa exclusão social. Com
isso, atribui-se aos pobres os custos de sua reprodução. O trabalhador
superexplorado gera outros trabalhadores na mesma condição e o miserável
multiplica o número de miseráveis.
Essa
situação atenuou-se com a industrialização, porém apenas em algumas
áreas. Nas demais, o subdesenvolvimento regional alimentaria o agravamento
constante dos desequilíbrios. E, mesmo aquelas regiões ditas desenvolvidas,
acabaram vitimadas pelas migrações intensivas e contínuas.
O
subdesenvolvimento, em suma, tem alimentado o desenvolvimento. Esse
paradoxo só desaparecerá quando os de baixo lutarem organizadamente
contra a espoliação, exigindo transformações profundas na política
econômica, nas funções do Estado e na estrutura da sociedade de
classes.
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