A SALVAÇÃO VEIO DOS CEUS
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Publicado
na Folha de S.Paulo, sexta-feira, 25 de fevereiro de 1972
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O esforço, a solidariedade, a coragem e a total mobilização
de recursos empenhados numa gigantesca operação de salvamento
impediram ontem que o maior incendio da historia de São Paulo
- o do predio da Pirani, na avenida São João - se transformasse
também numa de suas maiores tragedias.
E para isso tambem contribuiu a providencial circunstancia de o edificio
ter no topo um heliporto (o primeiro desse tipo instalado em São
Paulo), que tornou possivel o resgate, por helicoptero, de dezenas
de pessoas que subiram ao ultimo andar para escapar das chamas.
A verdadeira ponte aerea de salvamento, formada por helicopteros de
varios orgãos publicos e empresas privadas, permitiu o resgate
de mais de 300 pessoas, segundo estimativa realizada na Secretaria
da Segurança Publica. Até às 19 horas, os helicopteros
tinham feito 60 pousos no topo do edificio incendiado.
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O
papel do vento |
O incendio começou às 16h20, no terceiro andar do edificio,
na seção de crediario da Pirani, que ocupa cinco dos
27 andares do predio. Em menos de 10 minutos o fogo já se propagara
para os andares inferiores e, logo em seguida, mais lentamente, para
os de cima.
A essa hora, soprava no centro da cidade um vento de 30 quilometros
horarios (o normal em São Paulo é de 7 a 12 quilometros
por hora), que contribuiu decisivamente para a rapidissima propagação
do fogo.
Isoladas pelas chamas nos andares de baixo, muitas pessoas que estavam
no predio (onde funcionam entre outras empresas a Shell, Petrobrás,
Siemens, a Companhia Varejista de Seguros, a SUSEPE) subiram até
o ultimo andar, antevendo a possibilidade de uma salvação
pelo heliporto.
Outras, entretanto, ficaram presas dentro dos andares incendiados
e, em desespero, saltaram para a morte. Duas tentaram usar uma corda,
mas que só chegava a 15 metros do chão. Pularam dessa
altura e morreram na calçada.
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Os
helicopteros |
Por volta das 17 horas, quando já estavam no local praticamente
todas as guarnições do Corpo de Bombeiros, surgiu o
primeiro helicoptero: fez algumas evoluções em volta
do predio, para reconhecimento da area e pousou às 17h15, decolando
um minuto depois, com as primeiras pessoas resgatadas.
Logo vieram outros helicopteros - da FAB, do Palacio do Governo, da
Prefeitura, da COMASP, do Banco do Estado e de firmas particulares
- havendo ocasiões em que seis aparelhos sobrevoavam a area
ao mesmo tempo. Os helicopteros recolhiam as vitimas e as levavam
para heliportos improvisados, como a praça Princesa Isabel,
o campo do Palmeiras e para o aeroporto de Congonhas ou Campo de Marte.
E, no topo do edificio, quase transformado numa fornalha, a ação
de quatro homens de sangue-frio impediu que o panico fizesse mais
vitimas: por iniciativa propria, eles assumiram a liderança
das centenas de pessoas, fizeram-nas deitar-se para evitar asfixia
pela fumaça e estabeleceram a prioridade para o embarque nos
helicopteros. Primeiro as crianças, depois as mulheres e finalmente
os homens, eles quatro por ultimo.
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Rescaldo
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Cerca das 21h30 o comandante do Corpo de Bombeiros anunciou que se
iniciavam os trabalhos de rescaldo. Os bombeiros já estavam
na marquise da sobreloja, onde encontraram mais dois cadavares -o
que elevava o numero de mortos a cinco. Mas os bombeiros, entretanto,
ainda se recusavam a fazer qualquer estimativa sobre o numero total
de mortos, enquanto prosseguia o trabalho de resgate de pessoas que
ainda estavam no topo do edificio.
Grupos de bombeiros, chegados de helicoptero, desembarcaram no topo
e começaram a trabalhar de cima para baixo, enquanto seus companheiros
faziam o resgate de baixo para cima.
Ainda se viam chamas em alguns andares, como o 9°, o 10°,
o 13° e o 17°.
Cerca das 21h45 os bombeiros começaram a dirigir os jatos das
mangueiras para o 4° andar, mas uma ameaça se apresentava:
um dos pilotis do 5° andar estava rachado.
Um lamaçal espesso e escorregadio, formado por cinzas, cacos
de vidro e detritos carbonizados, misturados à agua, corria
numa grande extensão da Av. São João.
O governador Laudo Natel compareceu ao local do incendio e ali ficou
cerca de dez minutos. Afirmou que o governo do Estado estava tomando
todas as providencias para reduzir as proporções da
tragedia. Fez um apelo ao povo para que desimpedisse as vizinhanças
do predio e dos hospitais.
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O
dia mais tragico da cidade |
O incêndio começou nos fundos do 3° andar do edificio
onde funcionava a seção de crediario da Pirani.
João Batista Zicari Filho, um dos gerentes da loja tentou abafar
as chamas com um dos três extintores que havia em cada andar
do edificio, mas o seu esforço foi inutil. Rapidamente, as
labaredas passaram para a seção de alfaiataria, no 2°
andar, e para o salão de moveis, atingindo o estoque de botijões
de gás e o armário de munição.
Enquanto os 500 funcionarios da Pirani, que ocupava cinco andares
do edificio, começavam a sair pela porta da av. São
João, outras duas mil pessoas começavam a viver a tragédia
com as labaredas tomando os 24 andares restantes do edificio. Em 20
minutos, ele estava praticamente tomado pelo fogo e o vento forte
elevava as chamas a mais de 300 metros de altura.
Meia hora após o início do incendio, o prefeito Figueiredo
Ferraz chegou à av. São João.
- Fiquei traumatizado com o incendio -disse o prefeito.- Ele é
maior que aquele ocorrido no predio Paulista, onde eu tinha escritorio
na época. Na minha opinião, essa é a grande desvantagem
da arquitetura moderna. Os predios antigos tinham alvenaria e bloqueavam
qualquer incendio nos pavimentos. Os edificios de hoje, além
da falta de escadas externas, facilita a ação do fogo,
que penetra pelas laterais dos pavimentos, tomando um edificio em
poucos minutos.
O prefeito Ferraz disse, ainda, que mobilizou ambulancias de todas
as Secretarias da Prefeitura e das Administrações Regionais,
os carros-pipas da SAEC e o unico helicoptero que estava funcionando.
Aliás, foi o primeiro aparelho a pousar no heliporto do edificio
Andraus para resgatar as vítimas, mais de 100, que conseguiram
chegar até lá.
- O brasileiro não acredita em incendio, mas ele existe e existe
e é devastador - disse ainda o prefeito que acompanhou de longe
o trabalho dos bombeiros, que começaram atacando os dois predios
em frente ao edificio Andraus, atingidos pelas labaredas.
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SEM
RESPOSTA |
A multidão, que ocupou longa extensão da av. São
João, Vieira de Carvalho, largo do Arouche e praça Julio
Mesquita, presenciava o acontecimento. No 15° andar, onde funcionava
o escritorio da Petrobrás, um vulto tomado pelas chamas, mais
parecendo uma tocha humana, acenava desesperadamente para a multidão
da rua. Mas foi um aceno sem resposta. O fogo foi tomando rapidamente
o pavimento e o vulto foi caindo, sem vida, envolvido pelas labaredas.
No meio da rua, um policial do 3° Distrito recolhia uma carteira
profissional encontrada no andar terreo da Pirani. Era do office-boy
Edson Campiani, de 17 anos. As autoridades tentaram localiza-lo, mas
uma informação apontava-o como uma das muitas vítimas
que ficaram retidas no edificio bloqueado pelo fogo.
João Batista Zicari Filho, gerente da Pirani, informou ao delegado
Paulo Boncrhistiano, titular do 3° Distrito, que possivelmente
o incendio fora provocado por um curto-circuito geral, no 3° andar
do edificio. João Batista acalmou as autoridades, informando
que a maioria dos funcionarios da loja conseguira escapar, sem ferimentos.
Essa informação, entretanto, não se confirmou,
porque Neide Eugenio de Souza, que trabalhava no 2° andar, em
prantos, dizia na rua que dezenas de colegas suas não conseguiram
escapar do 5° andar, onde o incendio bloqueou os elevadores e
as escadas.
- Eu tenho quase certeza de que a maioria do pessoal ficou lá
dentro e muitos devem estar mortos agora. Eu consegui sair, porque
estava no 2° andar.
Celso Braga estava no 15° andar, no escritorio da Petrobrás,
onde trabalhava, quando começou o incendio. Ele correu para
as escadas, tomadas por uma nuvem de fumaça e fortes chamas.
Luisa, sua namorada, entrou em panico, mas como a maioria dos empregados
da Petrobrás corria para as instalações sanitarias,
os dois os seguiram e durante quase duas horas ficaram ali, suportando
um calor intenso. Na saida do predio, na rua Pedro Americo, Celso
Braga, com queimaduras na cabeça, peito e pernas, como Luisa
contou o que foi o incendio:
- Foi a coisa mais horrivel que já vivi em minha vida. Pensei
que não haveria salvação para ninguém.
O fogo tomou tudo, o calor era insuportavel e vi um dos meus colegas
ser inteiramente engolido pelas chamas.
Na praça da Republica com rua Pedro Américo, a confusão
entre a multidão prejudicou o trabalho da Policia Militar,
dos bombeiros e das equipes medicas que montaram varios postos de
emergencia para atendimentos. A multidão invadia o cordão
de isolamento e muitos afirmavam que estavam à procura de parentes
que trabalhavam no edificio.
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DESESPERO |
Quando os soldados da PM e da Aeronautica começaram a empurrar
a multidão, para facilitar a passagem das ambulancias com os
feridos, um homem enlouqueceu e começou a gritar:
- Salvem a minha filha. Ela está no predio.
Era o mecanico Temerozio Soares Fernandes, de macacão azul,
que provocava a mobilização dos policiais. Ninguém
entendia o seu drama e com violencia ele foi arrastado para um carro
da Radio Patrulha. Mais tarde, a verdade: Temerozio queria entrar
no edificio em chamas para resgatar sua filha, Neide Soares, que estava
presa no 13° andar.
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ÁGUA |
Além de executar manobras de rede de água da região
do prédio incendiado, a superintendencia da SAEC enviou ao
local dez carros tanques de nove mil litros cada um, cinco viaturas
para o transporte de feridos, três ambulancias e interrompeu
o fornecimento de agua a particulares na area central da cidade. Calcula-se
o consumo de varios milhões de litros de agua no combate às
chamas e a movimentação de todo o pessoal disponivel
em serviço naquela autarquia.
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Roberto
Andraus, o construtor |
O construtor e ex-proprietario do Edificio Andrauss, Roberto Andraus,
vendera os tres ultimos andares do predio à Shell três
meses atrás. Ontem seus novos proprietarios iriam inaugurar
os escritorios, com uma grande festa no 25° andar.
Construido há dez anos atrás e com uma area de 1200
metros quadrados, o Edificio Andrauss possuia, em cada andar, alem
dos escritorios, diversas copas e cozinhas todas com material de facil
combustão (botijões de gás, geladeiras, etc.).
Cerca de 2.000 funcionarios trabalhavam nos escritorios, que empregavam,
em media 30 pessoas, cada um.
O fogo começou às 16h20 no 3° andar da Pirani, seção
de crediario. No predio estavam escritorios da Petrobrás, Siemens,
Companhia Varejista de Seguros (pertencente ao presidente do Palmeiras,
Pachoal Giuliano, com 50 funcionarios), SUSEPE (Companhia de Seguros),
Adrati e outros.
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TESTEMUNHO |
O sr. Roberto Andraus estava na Libero Badaro quando soube da catastrofe,
seguindo imediatamente para o local.
"Êste era um dos predios mais lindos que ja vi", disse
ele. "Sua estrutura é esplendida e a maior prova é
ele estar de pé até agora. Graças ao heliporto,
um dos mais modernos do mundo, estão salvando muita gente,
pois caso contrario eles não teriam por onde sair. Mas assim
mesmo vi diversas pessoas saltar, num espetaculo horrivel."
O construtor do predio incendiado disse ainda que o grande aquecimento
poderia afetar as duas colunas mestras de sua estrutura e que se isso
acontecesse, o predio viria abaixo.
"O predio foi totalmente construido em concreto. Se em vez desse
material tivessemos usado a estrutura metalica, o edificio já
teria ruido", explicou ele.
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