LIXO E CONGESTIONAMENTO, DOIS DESAFIOS

Seis horas contra o lixo

O mutirão abrangerá 25 km2, 14 bairros e 628 ruas


Publicado na Folha de S.Paulo, domingo, 25 de abril de 1976

Em apenas seis horas - das 7 às 13 horas de hoje -, a Prefeitura promete coletar todo o lixo espalhado pelas calçadas das 628 ruas de 14 bairros da região central da cidade, abrangendo uma área de 25 quilômetros quadrados.
Pretende coletar, além do lixo produzido diariamente pelos 800 mil habitantes fixos, residentes no perímetro subordinado à Administração Regional da Sé - e pela população flutuante de um milhão de habitantes -, todos os móveis velhos e objetos sem uso, que os moradores poderão colocar em suas portas para serem recolhidos pelos caminhões municipais.
Esses serviços, anunciados pela Coordenação das Administrações Regionais, representam o primeiro mutirão de limpeza depois de um ano de administração. O objetivo é limpar a cidade, por coincidência, quando se aproximam as eleições para vereadores. O lixo, apesar de ser coletado diariamente por firmas particulares no centro de São Paulo, permanece abandonado nas calçadas, por longos períodos, devido a falta de um serviço eficiente.
Além de recolher o lixo, a Prefeitura promete realizar outros serviços de limpeza como a raspagem de sarjetas, desobstrução de bueiros e galerias de águas pluviais, varrição e lavagem das ruas, limpeza em frente aos terrenos baldios, conservação de praças e jardins e serviços de tapa-buracos.
Na limpeza gigante de hoje, serão utilizados 1.787 homens. Entre eles 50 fiscais para autuar os munícipes infratores das posturas municipais. O equipamento previsto inclui 1.500 vassouras e 333 veículos (251 caminhões e outros 82, como carros-pipa, motoniveladoras etc.).
As 628 ruas dos 14 bairros centrais estão dentro do perímetro formado pelas seguintes vias: av. General Olímpio da Silveira, av. Angélica, ruas Jaguaribe, Dona Veridiana, Maria Antônia, Caio Prado, av. 9 de Julho, praça 14 Bis, rua Rocha, al. Ribeirão Preto, av. Brigadeiro Luís Antônio, viaduto Jacareí, ruas dos Estudantes e Glicério, av. Alcântara Machado, ruas Domingos Paiva e João Teodoro, av. Carlos de Campos, marginal esquerda do rio Tietê e avenidas Dr. Abraão Ribeiro, Pacaembu e General Olímpio da Silveira, fechando o perímetro. A área foi dividida em 13 setores.
Cada um desses setores ficará sob a responsabilidade dos funcionários de cada uma das seguintes regionais: Móoca, Ipiranga, Vila Mariana, Pinheiros, Butantã, Santana, Penha, Santo Amaro, Lapa, Freguesia do Ó e Pirituba-Perus, além das turmas da própria Ar-Sé.
A Ar-Sé foi escolhida como a primeira a ser beneficiada por contar com a maior densidade demográfica de São Paulo: 800 mil habitantes numa área de 25 quilômetros quadrados, e população flutuante de um milhão de pessoas. É a segunda maior densidade demográfica no País (a maior é a de Copacabana, no Rio de Janeiro).

Projeto CET: aliado é a omissão

Na Câmara, o MDB é contra e a Arena se omite: e assim vai nascendo a Cia. De Engenharia de Tráfego

Em junho de 1973, apenas quatro meses depois de assumir o controle efetivo do trânsito em São Paulo, o engenheiro Francisco Berardi, primeiro diretor do DSV, foi exonerado do cargo. Um dos motivos de sua demissão, segundo fontes oficiosas: engenheiro estava tentando transformar o DSV em autarquia.
É possível que o atual diretor, Roberto Salvador Scaringella, não corra o mesmo risco, embora tenha proposto recentemente algo muito mais ousado: a criação de uma empresa de economia mista para atuar como órgão de apoio ao DSV: a CET (Companhia de Engenharia de Tráfego). Mas não há dúvida que, por causa da proposta - ou da maneira como ela foi encaminhada - o engenheiro Scaringella vem tendo algumas dores de cabeça. É possível também que ele venha a sair desgastado do episódio, principalmente depois da sua não muito feliz reunião com os vereadores, na Câmara Municipal, segunda-feira última.
Na ocasião, Scaringella poderia ter prestado alguns esclarecimentos interessantes sobre o projeto de lei encaminhado à Câmara pelo prefeito Olavo Setúbal; dispondo sobre a criação da CET - projeto este que tem prazo até sexta-feira para ser votado; caso contrário, será aprovado por decurso de prazo. No entanto, o engenheiro não pareceu suficientemente familiarizado com alguns aspectos jurídicos do projeto e foi obrigado a manter uma posição de certo modo defensiva. Em determinado momento, teve até de recorrer ao testemunho generalizado de não identificados "assessores jurídicos do prefeito" para tentar ganhar um pouco de terreno. Tentativa inútil.
Os vereadores, quase todos do MDB, não estavam interessados em obter esclarecimentos. Adotaram a tática do "falar e não deixar falar", literalmente bombardeando Scaringella com uma série de contundentes perguntas, aparteando-o a todo momento nas respostas e impedindo-o mesmo de concluir qualquer pensamento.
Por outro lado, o projeto do prefeito - inspirado por Scaringella - chegou à Câmara num momento particularmente interessante - isto é, quase às vésperas da campanha eleitoral. Foi recebido com desconfiança pelos vereadores da Arena, que aparentemente receiam assumir os riscos de aprovar uma lei que de uma forma ou de outra poderá pesar um pouco mais sobre os ombros dos contribuintes.
E foi recebido como um verdadeiro presente pelos vereadores do MDB, que de imediato vislumbraram as excelentes possibilidades de promoção política para o seu partido e para alguns dos integrantes da bancada oposicionista na Câmara.
O projeto é extremamente conciso e simples, mas aquilo que poderia ser sua melhor qualidade, transforma-se em ponto vulnerável. Por exemplo, o parágrafo I do Art. 2o, diz que é objetivo social da Companhia: "Planejar e implantar, nas vias e logradouros do município, a operação do sistema viário, com o fim de assegurar maior segurança e fluidez do trânsito e do tráfego".
Ora - argumentam os vereadores da Oposição: para fazer isso, já existe o DSV. Essa, aliás, é uma das funções perfeitamente definidas do órgão, desde sua criação.
A seguir, o parágrafo II, continuando na descrição do objetivo social da pretendida CET, o projeto diz: "Promover a implantação e a exploração econômica de equipamentos urbanos e atividades complementares, na forma e em locais definidos por decreto do Executivo, de modo a melhorar as condições do trânsito e do tráfego".
Aqui, a argumentação do MDB diz que essa parte é muito vaga e que, nessas condições, a futura CET poderá se dedicar tanto à exploração de estacionamento como vir a se transformar em empresa asfaltadora de ruas, fabricante de equipamentos de sinalização, detentora dos direitos de cobrar pedágio pela utilização da via pública e outras tantas interpretações que poderiam ser dadas aos termos "implantação e exploração econômica de equipamentos urbanos e atividades complementares". E assim, os vereadores se recusam a aprovar um projeto que pode facultar tudo isso a uma só empresa.
O parágrafo III merece os mesmos reparos e a mesma interpretação dos oposicionistas: "Prestar serviços ou executar obras relacionadas à operação do sistema viário". Além disso, alguns, como o vereador emedebista Samir Achoa, insistem em dizer que, se a CET está sendo criada para "prestar serviços ao DSV", isso representa uma concorrência direta com a empresa privada - e concorrência desleal, uma vez que a CET estará isenta (segundo o projeto) do pagamento de impostos.
Outras restrições, porém, são ainda feitas, ao começar pelo capital inicial previsto para a CET (10 milhões de cruzeiros). Se a empresa pretende ajudar a resolver os problemas de trânsito da cidade, certamente precisará de muito mais dinheiro. De outra forma, como explicar que o DSV, com uma verba anual da ordem de 100 milhões de cruzeiros, não consegue resolver esses problemas?
Além disso, o Art. 5o do projeto - explicam os vereadores - estabelece que "a Companhia exercerá suas atividades com pessoal próprio, sujeito ao regime das leis trabalhistas, ou com servidores públicos que lhe forem postos à disposição". Recordando que se trata de empresa de capital misto, os adversários do projeto acham que seria um contrasenso colocar servidores públicos à disposição de uma empresa que, em tese pelo menos, poderia pertencer em parte a particulares. Pois segundo as prescrições da Lei de Sociedade por Ações, a Prefeitura não necessitaria dispor da totalidade das ações da empresa, e as que não lhe interessassem poderiam ser vendidas a particulares.
Contudo, acima de todos os detalhes de maior ou menor importância que chamaram a atenção dos vereadores do MDB, está um outro aspecto, que sequer figura no projeto, e que o próprio Scaringella abordou muito pouco em sua exposição da Câmara. Trata-se do sistema de remuneração dos técnicos que trabalharão para a futura CET, em comparação com o sistema de remuneração atual aos técnicos do DSV.
Ao falar do assunto, o diretor do DSV empregou termos como "gestão de recursos humanos", para concluir que o DSV, como órgão público, paga mal aos seus funcionários. Implicitamente, admitiu que a CET, como empresa particular, poderá pagar melhor aos seus técnicos.
Acontece que esses técnicos que trabalharão para a CET serão na prática, os mesmos que prestam serviços ao DSV atualmente, seja sob a forma de contratados, seja sob convênio com o Metrô (novidade introduzida por Scaringella, que também é diretor do Metrô). A conclusão é óbvia: como não existe grande disponibilidade de engenheiros de tráfego no Brasil, os poucos que trabalham para o DSV poderão se transferir para a CET e, com isso, alcançar melhores salários - os salários que o DSV, por sua peculiar "gestão de recursos humanos", não tem condições de pagar.
Esta, que na opinião da bancada do MDB, parece ser uma das questões cruciais no caso, foi sensivelmente minimizada sempre que se procurou discutir o projeto. Tal posição acabou por tornar o projeto antipático e pouco passível de ter a receptividade dos próprios vereadores da Arena. Ele aparece como uma espécie de engenhoso subterfúgio para conseguir melhor remuneração para os atuais técnicos do DSV.
Desde o início, quatro vereadores tiveram seus nomes associados mais frequentemente ao movimento pela rejeição do projeto do prefeito: Samir Achoa, Antonio Resk, Mário Hato (todos do MDB) e Vicente de Almeida (Arena). Ao mesmo tempo, observou-se uma cuidadosa omissão por parte dos demais vereadores arenistas, com exceção do líder do prefeito, Brasil Vita. Eles estariam temerosos da eventual carga de impopularidade que lhes poderia advir de uma posição mais coerente com a sua condição de representantes da Arena.
Apesar de tudo, tem-se como certo que, de uma maneira ou de outra, o projeto será aprovado. No entanto, parece que não irá a votação. É muito provável que, toda vez que se tiver de discutir o projeto, os vereadores da Arena se retirarão do plenário.
Consequentemente, a criação da CET - Companhia de Engenharia de Tráfego - é só uma questão de tempo.

O autor

De repente, o técnico Roberto Scaringella perdeu a paciência e passou a entender que a monstruosa burocracia que emperra os movimentos de qualquer repartição pública poderia levar o Departamento de Operação do Sistema Viário (DSV) a uma situação de crítica inoperância. Foi então que, a cada novo contato com o prefeito Olavo Setúbal, começou a lhe falar da necessidade de encontrar o que qualificou de "equacionamento institucional para o DSV".
Assim Scaringella explica a evolução das suas posições como diretor do DSV. Já ao assumir o cargo pela segunda vez (a primeira foi em 73, como sucessor de Francisco Berardi Neto), ele havia declarado que era preciso encontrar uma forma de adequar o DSV à realidade de uma cidade como São Paulo - pretendendo com isso mostrar que o órgão era pequeno e funcionava inadequadamente, em face do vulto do problema.
Scaringella afirma que os entraves aparecem a todo momento, e sob as mais variadas circunstâncias. Exemplifica com a questão dos telefones: três anos depois de estar funcionando na avenida Nações Unidas, num prédio construído especialmente, o DSV ainda não dispõe dos telefones que necessita. E isso acontece porque não lhe é possível comprar diretamente os telefones, mas precisa sujeitar-se a uma escala municipal de prioridades. Ele fala também de outros tipos de compras:
"Alguns podem demorar até seis meses, dependendo do tipo de material requisitado. Para a compra de qualquer coisa, dependemos de decisões que ultrapassam os limites do DSV e da própria Secretaria de Transportes, a que estamos diretamente subordinados. Dependemos, também por exemplo, da Secretaria de Finanças.
Já com uma empresa de capital misto - pelo menos segundo a expectativa do diretor do DSV - as coisas se passariam de modo diferente, em todas as áreas de ação que lhe fossem reservadas. Ele diz ter certeza de que, em pouco tempo, se a nova empresa pudesse contar com o apoio necessário da Prefeitura, poderia viabilizar-se e passar a prestar os serviços que se espera dela.
"Quando menos - diz ele - tenho a certeza de que a CET seria a mais rápida entre todas as soluções estudadas".
Roberto Scaringella apressa-se em esclarecer que, por exemplo, a implantação de um sistema de controle de trânsito por computadores, como ele e seus técnicos desejam, seria possível também sem a criação da CET. Apenas, segundo ele, isso demoraria muito tempo mais.
As objeções levantadas por alguns vereadores, de que a CET irá concorrer diretamente com a iniciativa privada, encontram um argumento já engatilhado por Scaringella. Ele afirma que será exatamente o contrário, pois a nova empresa estará em condições de contratar largamente os serviços de outras empresas, sem as atuais limitações. Depois, ela, CET, transferirá esses serviços ao DSV.
Surge então a indagação sobre se "essa intermediação" por parte da CET não acabaria resultando no encarecimento desses serviços, que de outra forma poderiam ser prestados diretamente pelas empresas privadas das DSV. O diretor responde que "não necessariamente", lembrando que se tratará de "simples transferências de serviços ou recursos entre duas empresas municipais".

Os críticos

Se dependesse de alguns vereadores paulistanos, a Companhia de Engenharia de Tráfego jamais abandonaria a teoria. E só a existência de um dispositivo que assegura a aprovação automática de projetos do Executivo, por decurso de prazo, somada à bancada majoritária arenista na Câmara, é que deixa a certeza de que a CET poderá ser uma realidade dentro de algum tempo.
"Somos contra o projeto - assegura o vereador Antônio Resk - principalmente pela sua indefinição característica. Os objetivos estão muito mal definidos, não se pode votar uma lei tão vaga, tão pouco precisa. O que eu quero é justamente isso: que o Executivo retire o projeto e o reformule, eliminando as atuais incorreções".
O pequeno porte da empresa e o porte de seus objetivos declarados, segundo Antônio Resk, constituem uma contradição. Ele diz não entender como é que uma empresa com 10 milhões de cruzeiros de capital, e com apenas três diretores, poderá transformar-se no principal apoio para o DSV resolver os problemas de trânsito da Capital. Também assegura que não compreende como a nova empresas poderá suprir o seu quadro de técnicos em engenharia de tráfego, "se os únicos técnicos disponíveis no mercado brasileiro já estão a serviço do DSV".
"A não ser que o prefeito esteja apenas querendo transferir esses técnicos do DSV para a nova empresa, simplesmente para melhorar-lhes os salários" - conjectura o vereador.
Já o líder do MDB, Mário Hato, jura que o propósito do prefeito é outro:
"O prefeito fez do transporte uma de suas metas prioritárias. Mas sabe que não vai resolver nada e está vendo o seu mandato se escoar sem poder apresentar soluções. Ele está desesperado para mostrar alguma coisa ao público. O resultado é esse: ele está propondo a criação de mais uma dessas empresas destinadas a não fazer nada e a representar despesas desnecessárias. E já temos muitas delas, como a Emurb, a CMTC, o próprio DSV e a Cogep."
Hato acha que, se os técnicos que criaram o projeto da CET "estivessem sendo honestos", quando argumentam pela necessidade de formação de novos engenheiros de tráfego para a cidade, então eles teriam concluído pela necessidade de criação de uma Faculdade de Engenharia de Tráfego.
Quanto ao vereador Vicente de Almeida, mesmo sendo da Arena colocou-se contra o projeto também por ver nele essas mesmas falhas de caráter jurídico e por achar que no fim, o prefeito estará criando um instrumento desnecessário de concorrência com a iniciativa privada. Ele não admite, por exemplo, que a CET venha a estar isenta de impostos ao prestar serviços ao DSV, serviços esses que qualquer empresa privada, desde que consultada, poderia também oferecer.
Além disso, argumenta que, se a CET retirar do DSV as funções de "planejar e implantar, nas vias e logradouros do município, a operação do sistema viário", então o DSV perde a sua finalidade e pode ser extinto. Ao argumento de que o DSV não pode ser extinto porque lhe competem algumas funções indelegáveis, como as de regulamentar por portaria o trânsito na via pública, Vicente de Almeida propõe:
"Essas funções não são propriamente indelegáveis. Basta que sejam devolvidas ao Detran, que se ocupou delas durante muitos anos."

© Copyright Empresa Folha da Manhã Ltda. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Empresa Folha da Manhã Ltda.