MILHARES DE PESSOAS FORAM À PRAÇA DA SÉ

Publicado na Jornal, segunda-feira, 20 de fevereiro de 1978

A nova praça da Sé foi transformada ontem num autêntico parque de diversões, com milhares de pessoas assistindo à apresentação de bandas, escolas de samba, malabaristas, mágicos, palhaços e animais amestrados.
A festa popular - que marcou a inauguração, na sexta-feira, da praça e da Estação Sé do Metrô - terminou ontem à noite.
Um grande número de crianças perdeu-se dos país durante o dia, a maioria quando brincava na fonte luminosa. Mas todas foram encontradas com a ajuda do serviço de alto-falante do Metrô.

Circo atrai multidão à nova Sé

As últimas comemorações voltaram a levar grande público ao marco zero da Capital

No seu primeiro domingo de vida depois da transformação, a Nova Praça da Sé mais parecia um parque de diversões em dia de festa cívica: as crianças carregando bandeirinhas e cata-ventos verde-amarelo, percorriam os caminhos confusos da praça e fatalmente acabavam se perdendo dos seus pais. Volta e meia um locutor do Metrô anunciava: "Atenção, mais um menino que se perdeu, desta vez foi Joel, um garoto de sete anos. A sua mãe o espera nas escadarias da Catedral".
Mas não havia lugar na praça que não estivesse lotado. Quem olhasse para as escadarias da Catedral pensaria que era dia de procissão. Só os lagos e os canteiros mais altos escaparam dos pés afoitos, porque, de resto, a praça estava tomada.
Na verdade não é todo dia que se pode ver, de graça, alguns números de circo. Assim, quando a banda começou a tocar a musiquinha característica não houve quem não corresse para ver de perto os palhaços, os mágicos e equilibristas.
Quando o relógio preto e comprido marcava três e meia da tarde entraram os cães amestrados, isto é, permaneceram embaixo de um banco, abrigados do sol e, por mais que o domador batesse no banco, não queriam sair da sombra.
Depois de várias investidas, os cinco cãezinhos, atordoados pelo calor e pelo medo, entraram na plataforma para fazer as suas artes. Lá empurraram barris, saltaram obstáculos, para divertimento do povo. Ao final, aliviados e sedentos, lambiam as mãos do seu dono em sinal de agradecimento pelo término do suplício.

Festa dos adultos

Quem mais ria com as brincadeiras dos palhaços eram os adultos. As crianças menores, no colo ou nos ombros de seus pais, só queriam ir embora. Elas preferiam brincar no lago, chapinhar na água e tomar guaraná.
"Nós já vamos, menino, a festa é só hoje - dizia um pai ao seu filho, molhado de suor, que choramingava por um sorvete - fica quieto aí em cima".
Mas isso aconteceu só ontem. Daqui para a frente, certamente, os outros domingos da Praça da Sé serão diferentes. As passagens do Metrô já não serão gratuitas. Não haverá mais circo, nem bandas, nem escolas de samba. A atração será a própria praça: suas águas, onde as crianças lançarão, como ontem, barcos de papel, fora da vista de algum policial, seu relógio de vidro fumê a dar a hora certa para os que passeiam e buscam algum divertimento no Centro da cidade, seu condor estilizado, pousado numa das lagoas, a significar alguma coisa que o povo desconhece.

"O tal de Big-Beng"

feia ou bonita, grande demais ou no tamanho certo, o fato é que o povo tem mais uma praça e é raro encontrar alguém descontente com a sua aparência. O velho bilheteiro Antonio Moreno, mais conhecido por "Cantinflas", que tem seu ponto ali há mais de 40 anos, ficou tão emocionado com a Nova Sé que no dia da sua inauguração tentou subir no palanque para falar alguma coisa também. "Não me deixaram subir - diz o bilheteiro - mas eu tinha tanta coisa para falar que nesses três dias andei atrás de algum repórter que escrevesse as minhas palavras: isso aqui está glorioso, os trens são nossos, o relógio é inglês, o tal de "Big-beng". Para encurtar a história, desde o dia da luta contra o Plinio Salgado que eu não vejo tanta gente".
Apesar dos seus 88 anos, Teófilo Ferreira da Cunha, que já foi garçon da extinta "Pensão Alemã", que ficava na rua José Bonifácio, não deixou de ir ver a praça que conhece desde 1909, já farto de ver a cidade toda transformada. A Nova Sé, para ele, não foi um grande susto, mas apenas um sinal dos tempos: "Eu só posso dizer que isso aqui era uma caixa de fósforos e que hoje é o mundo todo. É como se fosse a praça de uma cidade desconhecida. São as novidades dos tempos."

"Monstruosidade"

Mas nem todos viram a Nova Sé com bons olhos. O engenheiro alemão, Emilio, de 86 anos, por exemplo, queria saber a todo custo o nome do engenheiro que fez "essa monstruosidade". Chapéu de palha, andar vagaroso, terno cinza, apoiado no seu guarda-chuva preto percorria a praça, e a cada novidade, balançava a cabeça em sinal de que haviam feito uma grande bobagem:
"Quando deparei com essa imensidão, me deu uma tontura que quase caí. Não sobrou nada do que tinha antes. E os bancos, onde é que estão? Isso é que é uma praça?"
Rescendendo ainda ao cheiro da pintura nova, os bancos verdes, que ficavam todos o para o lado da Praça Clóvis estão sempre vazios, também não era de se estranhar, não existe nenhuma árvore que lhes dê alguma sombra. Assim, ontem, quem se sentava ali ou abria guarda-chuva ou improvisava um chapéu com as filhas de algum jornal.
Como a Praça da Sé nunca prescindiu dos seus marreteiros, ontem também eles não poderiam faltar. Anunciando remédios contra "lombriga de porco", Severino apresentava sua jibóia e sua cascavel: "Agora eu vou soltar a cascavel e tomem cuidado os moleques, porque o que ela não gosta é de menino".


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