ANTONINHO DA ROCHA MARMO JÁ FOI CONSAGRADO
PELA DEVOÇÃO POPULAR
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Publicado
na Folha da Noite, quarta-feira, 12 de março de 1947
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Neste texto foi mantida a grafia original
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No fim da Grande Guerra e em plena "gripe espanhola", nascia,
nesta Capital, uma criança privilegiada - Com seis meses apenas,
acenava para entrar nas igrejas por onde passava - Predisse a solução
da velha pendencia entre o Vaticano e o Quirinal - Seu passatempo
predileto era "celebrar missas", no quintal, num altarzinho
portatil - Atacado de virulenta tuberculose, sucumbiu aos 12 anos
- Sempre protegeu os pobres e os humildes - Conformou-se estoicamente
com a breve morte irremediavel - O episodio emocionante do pintasilgo
- Um dia, os companheiros do céu vieram buscar o anjinho que
baixara à terra
São
Paulo possui tambem o seu "santinho". Um "santinho"
que caiu do céu e veio satisfazer a alma popular, que, há
muito, não via santos sobre a terra...
É bem comovedora e merece, por isso mesmo, maior divulgação
a encantadora historia diferente dessa criança predestinada
que foi Antonio da Rocha Marmo, consagrado pela devoção
do povo como o "santinho Antoninho".
Esse suave e exemplar menino paulista, que sobrevoou a terra, durante
apenas 12 anos, arrebatado, na flor da idade, por insidiosa enfermidade,
trouxe consigo, desde o berço, a aureola da santidade e da
espiritual beleza.
Era um pequenino com qualquer coisa de sobrenatural. Uma criaturinha
com algo de extraordinario. Foi portador de doce mensagem divina
endereçada aos homens esfaimados e egoistas da geração
que passa. Veio com uma missão de Deus perante esta humanidade
tragica que se suicida na guerra e tinge as mãos de sangue
na cobiça insaciavel das coisas materiais. Mas não
teve tempo de realizar a sua missão celestial, porque os
outros anjos seus irmãos vieram buscá-lo, com medo
de que ele, tão pequenino e tão puro, se contaminasse
com as peçonhas da terra.
Seu lugar era no céu. E para lá retornou. E lá
se encontra na mansão dos justos, gozando as primicias da
presença de Deus, enquanto o halo da sua glorificação
ainda inebria a pobre humanidade sofredora, que busca lenitivo,
alongando os olhos para os céus, numa prece angustiada, bradando
por um bocadinho de felicidade...
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Baixou
à terra um anjo |
Antoninho nasceu numa epoca tormentosa que ficou assinalada na historia.
Enquanto, na Europa, rotos da luta sangrenta - uma longa batalha que
se prolongava há cinco anos -, os homens matavam-se uns aos
outros e, no Brasil, em consequencia, a "gripe espanhola"
dizimava vidas preciosas, numa pavorosa epidemia, que se transformara
em calamidade publica, o menino prodigio descia à terra...
O calendario marcava o dia 19 de outubro de 1918. E foi naquela casa
assobradada da rua Bandeirantes, bem no numero 24, ali no distrito
de Santa Efigenia, que seus pais, os paulistas Pamfilo Marmo e dona
Maria Isabel da Rocha Marmo, o receberam com indizivel alegria, completando
o batalhãozinho ruidoso dos outros maninhos: Maria da Penha,
Nair, Ciro e Wanda...
A 13 de junho de 1920 - dia festivo de Santo Antonio - era ele levado
à pia batismal, na igreja de Santo Antonio do Pari, servindo
de padrinho o casal doutor Oscar Tolens.
Antes, porem, fôra batizado, sob condição em perigo
de vida, salvo a tempo por um misterioso medico, que não se
sabe quem era e que entrara de porta a dentro, sem ser chamado e sem
dizer o nome, num desses designios inexplicaveis de Deus.
Dali por diante passou ele aos cuidados efetivos da boa e dedicada
Mariama, como assim era tratada, na intimidade, a empregada de estimação.
Com seis meses apenas, quando levado pela ama a passeiar nas ruas
da cidade, Antoninho alegrava-se sobremodo e agitava os bracinhos
tenros ao avistar, por acaso, alguma igreja, e, se nela tinha ingresso,
transfigurava-se e era tomado de profunda unção ao aproximar-se
do altar onde estava a Hostia consagrada.
Se acontecia assistir à benção do Santissimo,
procurava ficar de pé e imitava o sacerdote, dando a seu modo
a benção aos fiéis com as minusculas mãos.
Antoninho era, na verdade, rica alma predestinada.
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Predizendo
o futuro |
O paulistazinho, desde muito cedo, revelara vivissima inteligencia,
apreendendo facilmente os principais e mais complexos acontecimentos
que se desenrolavam ao seu redor.
Tinha cinco anos quando predisse, com grande surpresa, ante a irmã
Maria Vicentina, na Santa Casa desta Capital, que a velha questão
romana, entre o Vaticano e a Italia, teria solução definitiva,
obtendo vitoria a Igreja, no reinado do S. P. Pio XI. Tal aconteceu
realmente em 1929. Ao saber do acorrido, tratou de mandar dizer àquela
freira da realidade da sua previsão.
Em certa manhã, assistiu à primeira missa do padre Olegario
da Silva Barata. Na hora do beija-mão do néo-sacerdote,
Antoninho acompanhou toda gente. Ao aproximar-se do padre, atirou-se-lhe
nos braços, num amplexo comovido, chegando a molhar-lhe com
lagrimas as vestes paramentais. Em palestra, vaticinou, então,
que a morte dele Antoninho dar-se-ia, num coincidir bastante expressivo,
no mesmo dia do aniversario do sacerdote, isto é, a 21 de dezembro,
o que realmente aconteceu, nessa data, em 1930.
Sua maior ambição era abraçar, quando ficasse
grande, a carreira eclesiastica. E ao indagarem da sua vocação,
costumava responder sempre: "Quero ser padre, mas quero pertencer
ao clero secular, pois desejo estar mais em contacto com o povo. E
si algum dia chegar a ser vigario saberei cumprir com o meu dever".
O seu passatempo predileto constituia em "celebrar missa",
num altarzinho portatil, improvisado no quintal da casa dos pais.
O ilustre bispo paulista, d. Epaminondas, por intermedio do padre
Ascanio Brandão, foi quem o brindou com aquele altar, acompanhado
de paramentos. Para o pequeno privilegiado aquilo constituiu um regio
presente. Dali, por diante, passou, circunspectamente, a "celebrar
sua missa" todas as manhãs... E depois da "missa"
se seguia a pregação feita a meia duzia de fedelhos
da sua idade e a outros maiores, a quem ensinava a doutrina do catecismo.
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Amigo
e protetor dos humildes |
O garoto tinha, na verdade, coisas excepcionais, proprias de gente
grande. Antoninho era um menino diferente dos outros. Um menino prodigio.
Doente gravemente, viu-se obrigado a procurar o clima ameno de S.
José dos Campos e de Campos de Jordão, a fim de tentar
a cura de uma tuberculose que se apossara valentemente do seu debil
corpo. Enfraquecera-se, a principio, sob violenta erupção
de sarampo. Depois veiu aquela enfermidade insidiosa, para que se
tornaram vãos todos os apelos à medicina. Ele mesmo
previra que os maiores esforços resultariam inuteis.
Mesmo atormentado pelos dolorosos sofrimentos, jamais esquecia os
humildes. Um dia, em Campos de Jordão, soube que fora detido
um pobre homem, surpreendido com o porte irregular de um revolver,
achado no mato. Antoninho interessou-se pelo caso. Demandou à
Delegacia, a fim de falar ao Delegado que era, então, o dr.
Caio Machado Leite Sampaio, atualmente Adjunto da Delegacia Especializada
em Acidentes no Transito. Não o encontrou. Falou ao carcereiro.
Pediu-lhe que transmitisse por favor à autoridade a sua solicitação:
"Diga ao delegado assim que chegar que Antoninho quer a liberdade
do preso". E como lembrete desenhou uma caricatura qualquer sobre
a escrivaninha do delegado.
"Faço esta careta no caso do sr. esquecer-se de transmitir
meu recado. O delegado, vendo-a, ha de perguntar quem a fez. O sr.
dirá então que fui eu e fará o meu pedido."
E assim aconteceu. A autoridade ali chegando achou extranho o desenho.
Interpelou o carcereiro, que lhe contou tudo. O dr. Caio Machado,
com aquela bondade que lhe é peculiar, foi em pessoa à
procura de Antoninho, que lhe contou do interesse em favor do seu
"constituinte". O delegado, que não o conhecia, achou
curioso os modos do garoto. E declarou-lhe que mandaria por em liberdade
o detido. Assim o fez, porem, por medida de precaução,
despachou-o para Pindamonhangaba.
O homem, profundamente reconhecido ao gesto de Antoninho, regressou
a Campos, em aspera travessia a pé, a fim de agradecer-lhe
pessoalmente, trazendo de presente uma cabra e dois cabritinhos. O
garoto enternecido com a atitude do pobre camponês, fez-lhe
ver que a Deus devia agradecer e não a ele, e negou-se a receber
o presente, aconselhando-o a vende-lo, pois era pobre e necessitava
de dinheiro.
Descendo, dias depois, de Campos de Jordão para S. José
dos Campos, compôs esta interessante quadrinha:
Deixei o que perdi
Em Campos de Jordão!
Saio soldado raso.
Para lá ganhar galão!
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Conformado
com a morte proxima |
Antoninho piorava cada dia mais nos ultimos meses da sua rapida vida.
Conhecia perfeitamente o precario estado de sua saude e mostrava-se
conformado com a vontade de Deus.
Uma tarde, vendo a pobre mãe tristonha por causa da sua molestia,
interpelou-a assim:
- Por que está tão triste, mamãe?
- Por nada, meu filho. Eu nunca estou triste ao seu lado.
- Mamãe, precisa fazer a vontade de Nosso Senhor! Nosso Senhor
precisa de mim!
E após uma pausa:
- A senhora está vendo aquele pintasilgo naquela arvore? Se
eu fizer com que ele venha pousar no meu dedo e cantar, a senhora
acredita que é por vontade de Nosso Senhor?
- Acredito, sim, meu filho!
- Então veja! Pintasilgo, passarinho querido, em nome de Deus
Nosso Senhor, vem pousar aqui no meu dedo e canta!
Realmente, o lindo passarinho veio obediente ter sobre a mão
de Antoninho, e cantou um canto mavioso e doce.
- Então, mamãe, ouviu o canto da vontade de Nosso Senhor?
- Sim, meu filho, ouvi e acredito!
- Vai, vai, meu amiguinho, para a tua arvore e lá continua
a cantar!
E assim aconteceu. A avezinha voou e foi cantar na arvore donde descera.
Voltaram mãe e filho para casa. Horas depois, interpelava ele:
- Está ainda pensando no passarinho, mamãe?
- Sim, é verdade, meu filho...
Dias após, perguntava Antoninho à sua progenitora:
- Minha mãe, que frade foi esse que esteve aqui conversando
comigo?
- Frade, meu filho? Eu não vi nenhum frade ao seu lado. Você,
com certeza, teve algum sonho...
- Bem, mamãe, não se fala mais nisso...
Logo mais bateram à porta. Era o carteiro. Trazia um envelope.
Abriram. Dentro, o retrato de um frade. Antoninho o reconheceu:
- Este retrato, minha mãe, é de frei Fabiano de Cristo,
que, ainda há pouco, esteve palestrando comigo.
Não era possivel aquilo senão por milagre: frei Fabiano
de Cristo falecera já há muitos anos. Aquela fotografia
fôra enviada por uma irmã do garoto prodigioso.
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A
morte de um justo |
Antoninho marchava, cada dia, para a morte certa. Ele o sabia perfeitamente.
E era um conformado com a dura realidade. Era a vontade de Deus. Deus
o queria. Que se fizesse, então, a vontade de Deus.
A 19 de dezembro, dois dias antes, ainda armou, com as proprias mãos,
num grande esforço, o seu tradicional presepio de Natal!
Dali foi carregado pela mãe desvelada, causando tamanho trabalho,
até o leito, donde não mais se levantaria.
Na manhã do dia 20, foi visitá-lo a Superiora da Santa
Casa de Misericordia de São Paulo, acompanhada de outras freiras.
Aquela visita foi excepcional motivo de alegria para o doente.
Ali compareceu depois frei Angelo de Rezende, que lhe ministrou os
ultimos sacramentos, em altar previamente armado e ornamentado pelo
proprio Antoninho, que, da cama, ia orientando tudo.
Em dado momento, após a comunhão, supôs o sacerdote
que o menino tinha já entregue a alma ao Criador, apresentando-se
com os olhos fechados, em atitude de extase. Tocou-lhe de leve no
ombro. Ele abriu os olhos e falou: "Eu estou rendendo graças
a Deus!"
Logo mais, não esquecendo o padre, pediu à mãe
que providenciasse um automovel para reconduzi-lo ao convento e que
não o deixasse ir sem tomar uma xicara de café.
Depois solicitou um copo dagua e principiou a balbuciar estas frases:
- Que linda estrada... atapetada de flores... como são belas!
Quantos anjos! Olha, minha mãe: alguns tocam... outros sorriem!
Convidam-me para acompanhá-los... Que belo cortejo!... Eu vou,
mamãe... Vou... Sim... Vejo um clarão! Um vulto se aproxima...
Olha, mamãe, é meu avozinho... o pai da senhora!
Pediu que acendessem duas velas em torno da imagem de S. Antonio,
junto do leito.
- Antes que estas velas se consumam, eu estarei no céu! Estou
cansado... preciso repousar...
Principiou a lenta agonia. Em dado instante, num esforço, abriu
os olhos. Circumvagou-os pelo quarto, num meigo sorriso para todos.
Um ligeiro tremor de labios, como se quizesse falar alguma coisa.
Depois, mais nada. Estava morto! Morrera como um passaro do céu!
O relogio assinalava 11 1/2 da noite de 21 de dezembro de 1930. Contava
12 anos de idade.
No dia seguinte, era inumado no jazigo da familia no Cemiterio da
Consolação, na quadra 80, sepultura nº 6, onde
a visitação publica o consagrou com a sua admiração
e a sua veneração, de então para cá.
A missa de 7º dia foi celebrada sem qualquer pompa, com a encomendação
sobre um modesto pano preto, entre quatro velas singelas. Era satisfeita
assim a sua ultima vontade.
E, numa curiosa e bem interessante coincidencia, conforme uma sua
anterior previsão: por acidental engano da Empresa Funeraria,
foi seu corpo encerrado num caixão de adulto, carregado num
coche de adulto e enterrado numa cova de adulto...
Toda a pequena existencia desse grande menino paulista, não
há duvida, extraordinaria, fôra assim revestida de grandes
lances: reviveu, em poucos anos, nos dias da atualidade, uma vida
beatifica igual à dos santos da antiguidade...
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