VIAS EXPRESSAS E NÃO A PAULISTA


Publicado na Folha de S. Paulo, segunda-feira, 12 de junho de 1972


O deputado estadual Caio Pompeu de Toledo sugeriu ontem ao prefeito Figueiredo Ferraz que os 200 milhões de cruzeiros destinados ao rebaixamento da avenida Paulista sejam aplicados na construção de vias expressas.

O deputado — que pertence à ARENA — apoiou a moção do deputado arenista Wadih Helu contra a construção da Nova Paulista, na Comissão de Transportes da Assembléia.

"As vias expressas são a unica solução de carater imediato para os problemas de trafego da cidade, já a construção da Nova Paulista pode ser feita numa nova etapa, para permitir a aplicação da verba a obras de carater mais prioritário", disse Caio Pompeu de Toledo, ontem.

Na sua opinião, as novas vias expressas (cuja construção já foi anunciada pela Prefeitura) desafogarão o transito em varias areas, enquanto o rebaixamento da avenida Paulista beneficiará apenas a uma area especifica da cidade. Além disso, há os problemas tecnicos, que serão maiores no rebaixamento da Paulista do que na construção das vias expressas, segundo o deputado.

Um vereador, o sr. Vicente de Almeida, retrucou ontem mesmo porém, que a avenida Nova Paulista é um componente indispensavel de um sistema viario de ligação entre as zonas Sul e Oeste da cidade por vias de distribuição de trafego que possibilitarão o acesso direto da Via Anhanguera à Via Anchieta ou à Rodovia dos Imigrantes.

"Apesar de que a Nova Paulista não deva ser uma via expressa, ela será justamente o ponto central desse elo. Se a Paulista continuar com a vazão atual, haverá nela o estrangulamento das correntes de trafego que virão das ruas da Zona Oeste cujos alargamentos já foram aprovados por lei (a rua Cerro Corá, as avenidas Queiroz Filho, Dr. Arnaldo e Heitor Penteado, por exemplo). Não adianta soltar o trafego nas ruas de acesso e prendê-lo na rua central", disse o vereador.

Segundo Vicente de Almeida, os deputados têm obrigação de discutir os problemas da Capital, mas estão pecando por levantar polemicas sobre "projetos que não conhecem e leis que nunca leram".

É difícil viver numa ilha

Morando numa ilha de concreto, cercada de asfalto por todos os lados, os 500 habitantes do pequeno quarteirão localizado exatamente no centro do complexo viario Rebouças-Consolação-Paulista-Angélica-Dr. Arnaldo (o chamado Nó da Paulista) são sobretudo aventureiros: enfrentam todos os dias um trafego constante e perigoso no caminho de casa.

Como naufragos corajosos, põem a vida em risco atravessando as ruas movimentadas que os separam da cidade, sem o auxilio de um sinal luminoso ou de um guarda de transito. A travessia mais facil é a da pista Rebouças-Consolação, que está sempre congestionada, ora porque a corrente de trafego parou nos sinais da rua da Consolação, ora por causa dos cinco acidentes diarios que acontecem no local.
Mas, privados de um facil contato com a cidade em que vivem, os moradores da ilha têm um reduzido comercio no quarteirão (12 lojas), que tenta sobreviver, apesar das dificuldades de atrair o publico do outro lado da cidade até suas portas.

Como os moradores do quarteirão, seus empregados também precisam se aventurar: um comerciante contou que uma domestica começou a trabalhar às 7 horas em seu primeiro dia no quarteirão e às 7h30 morreu debaixo de um carro, deixando espalhados pela rua os pãezinhos que fora comprar para o café de seus patrões.

COMÉRCIO REDUZIDO

Um comércio reduzido — cerca de 12 lojas — tenta sobreviver apesar das dificuldades de atrair o publico até suas portas. Osmar Ricciardi, um dos socios da Casa-bela, instalada há 15 anos no quarteirão, diz que a loja vende apenas o suficiente para se manter, e que foi preciso montar outra loja na rua Augusta.

O Sr. Leopoldo — um desconfiado expecialista em eletro-mecanica de automóveis, está tentando vender sua loja praticamente pelo mesmo preço pela qual teria vendido há quatro anos atrás e os interessados são poucos.

Os moradores dos prédios estão agora ainda mais assustados: o prefeito Figueiredo Ferraz mandou instalar grades ao longo da pequena ilha que separa as duas correntes de trafego, para evitar que o transito sofra com a passagem de pedestres.

Os funcionários da Prefeitura já chegaram e começaram a abrir as valetas para instalar as grades. Quando tudo estiver pronto, os moradores terão que mudar seu itinerário para chegar ao supermercado, à padaria e ao açougue, mas continuarão cruzando quatro vias e usando uma passagem de pedestres sob a Consolação. Mas a passagem ainda não está pronta.


A ESPERA

As dificeis travessias até os pontos de venda dos produtos de maior necessidade começaram, para a pequena população do quarteirão, quando foi oficialmente entregue, em janeiro, o "Nó da Paulista".

Antes do "Nó", o quarteirão tinha delimitações rigidas: era aproximadamente triangular, formado por um pequeno trecho da rua da Consolação, um trecho da Avenida Angelica e outro da avenida Paulista.

Depois do "Nó", só o alinhamento da rua da Consolação se manteve: as avenidas Paulista e Angélica se distanciaram e uma pequena rua com espaço apertado para três carros foi construida exclusivamente para os moradores do quarteirão: ela começa ao lado da ligação Consolação dr. Arnaldo, dá a volta no pequeno nucleo e sai ao lado da avenida Paulista, de novo na rua da Consolação.

Osmar Ricciardi chama o local, brincando, de "o quarteirão maldito".

— Quando há um barulho na rua, a gente nem se levanta mais para ver: é uma das muitas batidas que acontecem todos os dias. Só saimos mesmo quando além do barulho há um grito: é sinal que alguém foi atropelado.

Todo o quarteirão seria desapropriado para as obras mas a Prefeitura desistiu por causa do alto valor dos imoveis. Agora, esse valor está caindo. O sr. Leopoldo, por exemplo, quer vender sua oficina por 350 mil cruzeiros. Ele estava há anos no inicio da Rebouças, do lado oposto.

Tinha sete empregados para a boa freguesia de então - os moradores dos jardins, do Sumaré e do Pacaembu, que deixam o carro na oficina antes de irem para o serviço.

— Quando disseram que alargariam a Rebouças e minha oficina seria levada no embrulho, comprei este ponto. Eu pensava que após as obras ele seria valorizado. Bobagem: agora não há meio de os carros chegarem até aqui. Todos os fregueses mudaram de oficina. E não consigo vender o ponto, que há quatro anos já valia 300 mil cruzeiros.


TAXIS

Os problemas do sr. Leopoldo são muito semelhantes aos dos barbeiros Antonio Monteiro de Oliveira e João Peres, que há quase 20 anos trabalham ao lado: antes havia seis cadeiras, hoje há apenas três e o movimento, segundo eles, "não justifica nem a presença de uma".

Os moradores vivem como podem. Eva Stematelia, moradora do edificio Liege, sai todos os dias às 17 horas e fica em frente ao predio aguardando achegada do filho.

— Antes, o onibus da escola deixava o menino em frente ao prédio. Agora, ele é obrigado a dar tantas voltas para chegar aqui que desistiu: deixa o menino do lado de lá, e eu preciso atravessar a rua para apanhá-lo.

Para chegar ao quarteirão só há um caminho: a pista cidade-bairro da rua da Consolação. Para sair de lá rumo ao centro, é preciso voltar à Consolação (pista cidade-bairro), entrar na Rebouças e fazer um contorno sobre o tunel que dá acesso à Dr. Arnaldo.

Mas para quem vem dos bairros, através da Rebouças ou Dr. Arnaldo, chegar ao quarteirão é mais dificil: é preciso seguir até o cemitério da Consolação, na pista bairro/cidade da Consolação, fazer o retorno numa ilha e voltar.

Por isso, Wanda, uma das moradoras, e sua mãe, com medo de enfrentar as 12 pistas que separam seu predio do supermercado, adotaram um sistema mais simples: apanham um taxi, fazem o contorno sobre o tunel, voltam pela Consolação e mandam-no parar em frente ao supermercado - que em linha reta está a 50 metros. Para voltar, apanham outro taxi e vão até o cemitério da Consolação, para fazer o contorno.

Outra senhora tem problemas semelhantes: o onibus da escola se nega a deixar o filho em casa, depois que o "Nó" foi entregue. Ela passou a buscá-lo na escola, de taxi.

Os moradores vão agora fazer um abaixo-assinado pedindo ao prefeito que mande instalar um sinal luminoso, para que possam chegar ao outro lado da rua. Mas de certa forma eles ainda têm sorte: seus vizinhos de fundo, que moram na rua Minas Gerais, quando querem comprar pão, são obrigados a atravessar, alem das 12 pistas na altura da Consolação, todas as 10 faixas que ligam as avenidas Paulista à Dr. Arnaldo e à Rebouças.
 

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