A SÃO JOÃO PODE PERDER SEU DESFILE
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Publicado
na Folha de S.Paulo, terça-feira, 11 de fevereiro
de 1975
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A avenida São João está ameaçada de nunca
mais ser o placo principal dos desfiles das escolas de samba. Depois
dos conflitos de domingo, autoridades policiais, o prefeito Miguel
Colasuonno e o Rei Momo Irineu Pugliesi condenaram a avenida: eles
acham que ela não suporta mais a grande afluência de
público, que vem principalmente de bairros da Zona Leste da
cidade.
Para o Rei Momo, o lugar ideal seria a avenida Paulista. Ele argumenta
que, além de a Paulista ser mais larga, há condições
de se armarem arquibancadas mais amplas.
Enquanto isso, Colasuonno adverte:
"Em 1976 a massa humana será maior, por causa das facilidades
de condução proporcionadas pela Linha Leste do Metrô".
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As
melhores |
Com uma apresentação que agradou à maioria dos
criticos, a escola de samba Mocidade Alegre é a mais cotada
para o titulo de 1975 em São Paulo.
No Rio, as escolas Mangueira, Portela, Império Serrano e Salgueiro,
com boas apresentações e muitos destaques, dividem a
preferência.
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Primeiro
resultado: a São João pode perder o desfile |
Depois dos conflitos de anteontem durante o desfile das escolas de
samba, o prefeito Miguel Colasuonno, o secretário de Turismo,
José Maria Mendes Pereira, o Rei Momo, Irineu Pugliesi e várias
autoridades policiais chegaram a uma conclusão: a avenida São
João deve ser proibida para o carnaval.
Para o Rei Momo Irineu Publiesi, 25 anos, 155 quilos, "o carnaval
paulistano cresceu muito e aqui (na São João) não
há mais possibilidade de se fazer um bom desfile".
Qual, então, seria o lugar ideal para a apresentação
das escolas? Na opinião de Irineu: a avenida Paulista. "A
Paulista é mais larga - o que é muito importante - e
há condições de se armarem arquibancadas mais
amplas.
Ele diz mais: "A arquibancadas da São João são
insuficientes. Havia lugar para o máximo 10 mil pessoas sentadas.
O que se viu? 120 mil pessoas prestigiando um carnaval que, afirmam
por aí, não tem nenhuma animação. Na verdade,
o povo vem em massa. Acredito que podem sair de São Paulo umas
500 mil pessoas. Mas ficam por aqui mais de 6 milhões. Ano
que vem podemos assegurar, tranquilamente, que 200 mil pessoas estarão
na passarela".
Irineu explicou também porque o carnaval no Rio não
apresenta tantos problemas quanto os de São Paulo. "Lá,
além de uma tradição de 50 anos de desfiles de
rua (em São Paulo os desfiles oficiais são feitos há
apenas 8 anos) a prefeitura cobra ingresso". Segundo Irineu,
a medida serve selecionar o público e proporciona, ainda, verba
para um carnaval mais bem organizado.
O prefeito Miguel Colasuonno tem uma opinião semelhante a de
Irineu. Ele acha que apesar de suas seis faixas de trafego e calçadas
razoavelmente largas, "a São João não vai
mais suportar o número de populares que saem dos bairros periféricos
para assistir os desfiles".
No domingo, até às 23h00, muita gente não tinha
conseguido chegar ao Vale do Anhangabau. O prefeito salienta: "deve-se
levar em conta que a Zona Leste é a mais populosa da cidade.
E a afluência de público, em 1976, será maior
por causa das facilidades de condição proporcionadas
pelo metro".
Para agravar o problema da São João, técnicos
do DSV admitem que não haviam preparado nenhuma esquema de
circulação entre a Praça da Bandeira e a Pedro
Lessa - trecho que apresentou, anteontem, uma aglomeração
de populares jamais vista na história do carnaval da cidade.
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Foi
uma noite de inevitáveis tumultos |
A falta de um melhor policiamento preventivo foi o principal motivo
de uma série de cenas isoladas de violencia ocorridas anteontem
na apresentação das escolas de samba, na avenida São
João. Mais tarde, quando chegaram os reforços pedidos
pelos PMs em serviço, o desfile prosseguiu normalmente, embora
o público ainda reclamasse da falta de acomodação
e algumas pessoas, mais exaltadas, contassem várias versões
de ameaças de espancamento, ataques de cães pastores,
e exibissem ferimentos em muitas partes do corpo, em consequência
do tumulto.
Na verdade, o desfile, que começou por volta das 21h, foi logo
prejudicado de início: sem um número suficiente de policiais
que pudessem assegurar a ordem, o povo - calculado em mais de 120
mil pessoas - invadiu a passarela, provocando empurrões, pisoteamentos,
discussões e brigas.
A partir
das 22h30, a convocação era total e aumentou quando
chegaram ao local alguns policiais. Sem meios de conter a massa
humana que se comprimia nas estreitas calçadas da avenida
e nas arquibancadas, os policiais se utilizaram de cães pastores.
Resultado: pânico, uma criança mordida por um dos cães
e muitas pessoas atendidas por médicos, vítimas de
agressões e mal estar.
Em
outros pontos da avenida, especialmente na esquina com a Ipiranga,
um contingente de cerca de 20 guardas da firma Vigilância
e Segurança Guardian, agiam como autoridades oficiais. Segundo
depoimento de algumas pessoas, "esses guardas usavam seus cassetetes
sem nenhuma discriminação". Um deles, respondendo
à pergunta de um jornalista sobre quem havia dado ordens
para agirem daquela forma, respondeu: "os homens mandaram a
gente ajudá-los". A referência era à PM.
Posteriormente, autoridades desmentiram a declaração.
Os
homens de imprensa, acostumados a coberturas dos carnavais paulista,
diziam indignados, que "nosso trabalho nunca foi tão
difícil quanto este ano".
Finalmente, por volta das 12h seis viaturas do Tático Móvel
chegavam ao local. Nessa altura, com a invasão das pistas
a interferência de policiais não qualificados, foi
impossível evitar a violência: as viaturas deixavam
a São João cheias de presos e as portas eram fechadas
rapidamente, embora se pudesse ouvir, com clareza, gritos de socorro.
Funcionários de uma unidade de ônibus de pronto-socorro
(estacionado ao lado do palanque), empurravam o público para
o meio da avenida. Estes eram repelidos pelos policiais. Em certo
momento, o motorista de uma ambulância jogou seu veículo
contra um grupo de pessoas, prensando-as contra outras ambulância
e contra o ônibus do pronto-socorro.
Na confusão, pelo menos 30 pessoas entre homens, mulheres
e crianças foram lançadas ao chão. Uma mulher
de cerca de 25 anos recebeu uma pancada na boca do estômago.
Ela desmaiou, sendo atendida por um médico que, depois de
reanimá-la, constatou que ela estava grávida de três
meses.
Quando a situação já era completamente insustentável,
o comando policial requisitou a participação do COE
(Comando de Operações Especiais). Mas as facas, cordas
e a diplomacia dos homens do COE pouco resolveram. O público
só se conteve quando os policiais investiram com seus cães,
sem, contudo, soltá-los. Aí, então, muita gente
se retirou. O sucesso alcançado com a presença dos
cães provocou aplausos e vaias: quem conseguiu lugar nas
arquibancadas, além das autoridades, aplaudiram a medida;
quem estava embaixo ainda sob o impacto do tumulto, vaiou.
Depois das duas horas da madrugada, os policiais resolveram relaxar
a vigilância, o que provocou uma nova invasão da passarela
pelo público, a ponto de quase não permitir a passagem
das escolas. Só por volta das três da madrugada a São
João conseguiu, aos poucos, se transformar numa avenida destinada
apenas a desfiles, sem conflitos e cenas de desespero. Mas, a essa
altura, a festa já havia praticamente acabado. Uma festa
que para o locutor da Instalsom da Secretaria de Turismo - tinha
sido "o Carnaval do Século".
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No
Rio, um turista quase morre, e acha tudo espetacular |
Entre os casos atendidos pela equipe de saúde no plantão
da avenida Antonio Carlos, um dos que mais preocupou médicos
e enfermeiros foi o de Rosangela de Oliveira, torcedora do Salgueiro,
que assistia o desfile de escolas de samba. Grávida de sete
meses, foi empurrada e quase perdeu a criança. Removida às
pressas para a Maternidade Estadual Fernando Magalhães, Rosangela
felizmente foi medicada a tempo e recebeu alta ontem à tarde.
Por causa de uma briga nas arquibancadas, o norte-americano Edward
Dornier que veio com a mulher de Los Angeles, Califórnia, somente
para assistir o desfile das escolas de samba, também passou
mal. Edward foi jogado como peteca pela platéia e salvo por
soldados da PM. Ambos foram medicados: ele, com remédio para
normalizar a pressão, após dizer que era cardiaco. O
americano dormiu sobre uma maca estendida no asfalto, protegido por
um guarda-chuva, depois passou para um carro de reportagem e mais
tarde, em ambulância, foi levado para o Hotel Trocadero, onde
está hospedado.
Comentário, de Dornier, mais calmo, fumando cachimbo, vendo
o desfile pela janela da ambulância, ao partir para o hotel:
"Foi a coisa mais espetacular que já vi na face da terra,
mas nunca pensei que fosse assim" a equipe médica atendeu
também uma sambista epilética, que ficou em observação
dentro de uma ambulância cedida pelo serviço de Saúde
do Instituto de Açúcar e do Alcóol, e medicou
o mestre-sala Bagdad, estandarte de ouro de 1974, da Portela, que
desmaiou às 1h25, quando desfilava fazendo evoluções.
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