A HUMANIDADE E A BELEZA


Publicado na Folha da Noite, segunda-feira, 7 de julho de 1941

Neste texto foi mantida a grafia original

Inaugurou-se, enfim, o tão anunciado Primeiro Congresso Latino-Americano de Cirurgia Plástica, que conta com o patrocínio dos maiores nomes da política e da medicina da América do Sul. As sessões de encerramento, como os leitores sabem, realizar-se-ão nesta capital, de 10 a 12 do corrente.
Os jornais de São Paulo andaram publicando, durante vários dias, entrevistas com os maiores médicos paulistas, a propósito de cirurgia plástica, e o que da leitura de todas elas concluimos é que a humanidade tem horror à feiura. Por que? Porque a Cirurgia Plástica, cujas origens o professor Benedicto Montenegro foi buscar lá longe, nos tempos mais remotos, não é senão a ciência de corrigir as deficiências da natureza com relação à mascara humana. Homens que a doença desfigurou, mulheres que a idade emurcheceu, homens e mulheres sem nenhum encanto de nascença, podem, graças a ela, melhorar sua fisionomia. Podem, em suma, exibir encantos artificiais.
Isso quer dizer, no fim de contas, que a carne humana já consegue ser trabalhada pelos médicos, como o barro pelo escultor, ou, então, como a areia de Copacabana pelo engenhoso modelador de imagens. E quer dizer, também, que hoje só é feio quem quer. A cirurgia plástica realiza verdadeiros milagres, diante dos quais as devastações da velhice não resistem.
Que será da feiura dentro de alguns anos?
Julio Dantas contou, certa vez, "Aos ouvidos de Madame X", que se as mulheres belas satisfazem a nossa vaidade de prazer, são, no entanto, as feias que nos enchem o coração. Só as feias - dizia ele - teem essa graça penetrante, essa doçura terna, essa inteligência do sentimento, essa perturbadora volúpia que nos prende, que nos arrasta, que nos torna capazes das maiores baixezas e das maiores glórias".
No dizer do Padre Vieira, a formosura nada mais é do que um "engano aparente". Falando nas exéquias de d. Maria de Ataide, em 1649, no Convento de São Francisco de Xabregas, disse o notavel pregador que "os primeiros tiranos da formosura são os anos, e a sua primeira morte é o tempo. Debaixo do império da morte acaba, debaixo da tirania do tempo, muda-se: e se alguem perguntara à formosura, qual lhe está melhor, se a morte ou a mudança, não há dúvida que havia de responder, antes morta que mudada".
Poder-se-ia continuar nesse tom até o infinito. Não são apenas as mulheres que teem horror à fealdade. Anatole France, que foi, alem de estilista insigne, insigne amoroso, costumava dizer, já no fim da vida, que trocaria com o maior prazer toda a sua glória literária por um pouco de beleza. "Porque, acreditai-me, impressionar a carne das mulheres é preferível, na vida a impressionar o espírito dos homens".
Basta o que aí fica para mostrar aos leitores como é vasto o campo de ação da cirurgia plástica, e que destino esplêndido está reservado, no Brasil, aos médicos que a praticam.


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