DE NOVO, E MUITO PIOR
Até 17h: 70 mortos
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Publicado
na Folha de S.Paulo, sexta-feira, 1º de fevereiro de
1974
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Todo o drama que a cidade viveu no dia 24 de fevereiro de 1972, na
tragedia do Edificio Andraus, repetiu-se hoje - em escala maior -
no incêndio que destruiu o Edificio Joelma, de 26 andares, localizado
no nº 225 da avenida Nove de Julho (Praça da Bandeira),
cujos fundos dão para a rua Santo Antonio, 184, no centro da
cidade.
Não fosse a maior gravidade da catástrofe - até
as 17 horas tinham sido contados cerca de 70 cadaveres no Instituto
Medico Legal e 83 feridos eram atendidos em postos de emergencia e
hospitais diversos - ter-se-ia ontem um autentico video-tape da tragedia
do Andraus: as grossas labaredas que irrompiam do enorme edificio,
dezenas de pessoas em pânico no terraço, bombeiros tentando
alcançar os andares mais altos com suas "magirus",
atos heroicos de salvamento aqui e ali, a multidão postada
nas adjacências acompanhando os lances mais dramaticos - e todo
o centro da cidade praticamente paralisado.
Acima de tudo - em sentido literal - pairavam, novamente, as grandes
vedetes do incendio: os helicopteros que conseguiram, mais uma vez,
salvar dezenas de pessoas que, em desespero ou muito feridas, postavam-se
no terraço do Joelma ou eram levadas para o posto de emergencia
montado, com rapidez e dedicação, na Camara.
No edificio da Camara Municipal, em cujo teto há um heliporto,
montou-se o dispositivo inicial para socorro às vitimas. Medicos,
enfermeiros e doadores de sangue acorreram em grande numero para esse
local, onde chegavam, constantemente, cobertores, tubos de oxigenio
e tranquilizantes enviados por uma "corrente da amizade"
que logo se formou.
No predio que se incendiou, funcionava o Banco Crefisul de Investimentos
S.A. e ali trabalhavam cerca de 600 pessoas, numero aumentado por
aqueles que eventualmente procuravam o predio para seus negocios e,
tambem, pelos motoristas que estacionavam seus carros na garagem que
ocupa os 6 primeiros andares.
Segundo as primeiras informações, o fogo deve ter se
originado num curto-circuito ocorrido num aparelho de ar condicionado,
instalado no 12º andar. Um ex-diretor da Crefisul disse que havia
muita madeira por causa de obras que se realizam no edificio.
Até às 15 horas, tinham sido identificados os seguintes
mortos: Antonio Camargo Rosa, William Franz, Paulo Aparecido Salles,
João Alberto Gravini, José Neves de Almeida, Rodolfo
Kelsing, Sidney Morelli, João Nunes Borges e Margarida de Lauro.
Continuavam chegando mais cadaveres.
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Drama
na 9 de Julho, nº 225 |
Vi mais de dez corpos carbonizados entre a garagem e o restante do
edificio. Cheguei também a tempo de ver outros dez jogarem-se
lá do alto. Não tenho duvidas, esta tragédia
matou mais de 30 pessoas" - foi que afirmou o tenente Bueno de
Lima que conseguiu chegar pelas escadas do Corpo de Bombeiros até
o sétimo andar, onde acaba o estacionamento de carros.
O edificio com 26 andares, segundo o funcionario Odemar Ivan, era
todo ocupado pelo Banco Crefisul de Investimentos SA. Apenas os dois
ultimos pavimentos encontravam-se desocupados e hoje começariam
a serem ocupados pela corretora da empresa. Odemar Ivan tinha os olhos
vermelhos e garantiu que, no prédio, trabalhavam de 600 a 700
pessoas. "Quero ver meus amigos" - gritavam pisando numa
poça de sangue.
O prédio que fica na Av. Nove de Julho, 225, chama-se Joelma,
e os fundos dão para o no 184 da Santo Antonio. Até
o meio-dia embora os megafones se fizessem ouvir, garantindo não
mais haver fogo, ainda se podia ver da praça da Bandeira, labaredas
em varios compartimentos.
De ambos os lados do predio podia-se ver revestimentos de ferro retorcidos,
calhaus, objetos, roupas, marcas de sangue, madeira que ainda caiu
do predio, com a fuligem.
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Talvez
40 mortos |
O bombeiro Irineu Tamarino, que mais tarde conseguiu entrar na garagem
e se refazia da fumaça, disse ter visto também dez corpos
entre os escombros dos primeiros andares. Um calculo ainda prematuro
feito pelos oficiais do Corpo de Bombeiros faz supor que 40 pessoastenham
morrido na tragedia, entre aquelas que se jogaram do edificio ou ficaram
lá dentro presas entre as chamas.
O panico que se estabeleceu na confusão obrigou a que cavalos
da Policia Militar fossem utilizados para afastar a multidão.
Todos queriam ver de perto o fogareu e postavam-se nas escadarias
da Ladeira da Memória ou mesmo nos degraus do Teatro Municipal.
A rua Xavier de Toledo, bem afastada, estava intransitável.
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Na
praça |
Vários helicopteros sobrevoavam o local, mas o primeiro que
logrou aproximar-se e mesmo descer na quina do edificio foi o aparelho
36 da FAB. Antes do meio dia já pousara sete vezes, inclusive
levando bombeiros para averiguar a extensão da tragedia.
O helicoptero, com ajuda de uma corda, ergueu no ar o capitão
Indalécio. Este chegou a encostar-se junto a um homem que permanecia
isolado no 16o andar, e dava mostra de completa exaustão. Lá
estava desde que começara o fogareu, encostando-se à
janela, com um lenço nos olhos. De baixo, na praça,
uma funcionaria da Secretaria de Promoções gritava para
que retirasse as roupas. O homem de terno cinza e oculos, com um relogio
rebrilhando, manteve-se por varias horas na mesma posição,
sem tirar o paletó.
Quando o capitão Indalécio aproximou-se para ajudá-lo,
com a corda fixa à barriga, o homem recusou-se. O helicoptero
fez outro giro e aproximo-se do homem, mas este novamente recuso-se
talvez por sentir-se incapaz de segurar-se ao corpo do militar.
"Não posso compreender o que está acontecendo lá
em cima. Este quer morrer sufocado ou jogar-se lá do alto a
qualquer instante".
A medida que o aparelho aproximava-se a multidão prendia a
respiração tomada de um medo-panico. Em dado momento
a impressão era de que, afinal, se agarraria ao corpo do Capitão
Indalécio. Mas foi inutil. É certo que mantiveram um
dialogo qualquer numa tentativa de fazê-lo sair da janela onde
se escorava. Quando lançou o paletó, a multidão
pensou que ele se decidira pela solução derradeira.
Uma mulher desmaiou.
O homem que se recusara a amparar-se no corpo do capitão Indalécio,
preso por uma corda ao helicoptero, a despeito de tudo dava a impressão
de calma. Alguém garantiu que rezava. Eram 10h30m, e êle
continuava lá, dando apenas a impressão de que já
respirava com dificuldade.
- É meu filho, tenho certeza que é meu filho - disse
o advogado Diogo Garcia Filho, aparentando 50 anos, incapaz de articular
as palavras.
- "Tenho certeza agora que é meu filho. Usa oculos como
eu e liguei para casa. Disseram que ele vestia um terno cinza. Chama-se
Celso Garcia.
O advogado não se tranquilizou, nem mesmo quando um fotografo
emprestou-lhe a lente de alcance, para que pudesse ver melhor o homem
que se escorava lá no alto, passando a mão nos olhos
e o lenço. "Não suporto mais, esta emoção.
Agora tenho dúvidas. Será mesmo meu filho. Vou para
casa. Ligue para 299-0774. Não tenho coragem de ficar mais
por aqui".
A multidão teve que ser afastada à força do viaduto
que passa sobre a praça da Bandeira. Ali pousou o primeiro
helicoptero que, antes decolar do alto do prédio da Camara
Municipal. Uma árvore foi cortada para que a aterragem se fizesse
melhor e as ambulâncias também se aproximassem para levar
os feridos.
- Quem pode doar sangue? Quem pode doar sangue? - gritava um enfermeiro
diante da multidão. E, de pronto, uma fila se formou e seguiu
para as imediações do Hotel Cambridge, onde se achava
uma ambulancia especial para receber as doações voluntárias.
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Outro
apelo |
Antes do meio-dia se fez outro apelo dramatico aos moradores das vizinhanças
por intermédio dos megafones:
"Quem tiver água e possa trazê-la até aqui
num balde, por favor, façam com urgência. Estamos precisando
de água. Atenção, moradores, tragam água
em baldes.
Os moradores, do outro lado da Av. Nove de Julho, que acompanhavam
os socorros, desapareceram de suas janelas, atendendo ao apêlo.
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