A CATEDRAL DE SÃO PAULO
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Publicado
na Folha da Manhã - domingo, 1 de dezembro de 1940
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Neste texto foi mantida a grafia original
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Trabalhos
da catedral nova
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Quem passa pela Praça da Sé já pode vêr
agora os trabalhos que se fazem nas torres da Catedral. Diferenciando-se
das que formam o primeiro andar e que lá estão há
mais de vinte anos, pedras novinhas brancas, já começam
a empilhar-se, sobrepondo-se umas às outras a caminho das alturas.
Horas e horas queda-se ali o paulistano a ver os operários
trepados em andaimes e atarefados na colocação daquelas
enormes pedras. E cada dia vai a torre subindo um pouco.
Para estarmos em condição de seguramente informar os
nossos presados leitores, entramos há dias no recinto da monumental
igreja que se está construindo. Era o que devia fazer todo
o paulistano que se preza, mesmo que fosse para contentar somente
o natural desejo ou curiosidade de saber o que vai lá pro dentro.
Vimos centenas de operários a trabalhar febrilmente, fazendo
tinir os ponteiros em blocos de granito. É a música
diaria daquele recinto e o granito paulista, caprichosamente trabalhado,
vai-se transformando em lindos capitéis e botaréus.
Ao lado, as forjas dos ferreiros resfolegam sem parar, assoprando
as brasas onde os ponteiros que o granito desgastou aguardam incandecentes,
a ação do malho que lhes dará nova afiação.
Esparsos pelo chão, enormes blocos de granito, recem-chegado
das canteiras, esperam por sua vez os inspirados golpes dos artifices.
Os guindastes parecem cobrar alento para erguer às alturas
os blocos já trabalhados. Empregados de escritório,
eletricistas, desenhistas, engenheiros movem-se por toda a parte.
E, coisa curiosa, toda essa gente trabalha mais ou menos calada. Quasi
não se ouve um assobio, um grito, uma discussão. Só
o tinido das pedras lascadas e o gemer dos guindastes. Parece que
todos trabalham rezando.
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Um
pouco de história |
A Catedral é fruto da coragem e do pariotismo do pranteado
Arcebispo Dom Duarte. Iniciou-a numa época em que parecia loucura
semelhante cometimento. Era ainda São Paulo cidade de trezentos
mil habitantes, com suas casas de tres ou quatro andares que, naquele
tempo, despertavam a curiosidade dos visitantes e eram o orgulho dos
paulistanos. Quando o Arcebispo surgiu com a idéia de uma grandiosa
catedral, toda ela de pedra estilo gótico e torre de 97 metros,
foi um assombro. Houve quem pensasse ter ensandecido o jovem prelado.
Dom Duarte, imperturbavel e firme, não se arreceou das criticas.
Apresentou a planta feita pelo engenheiro Maximiliano Hell, reuniu
a 25 de janeiro de 1912 um grupo de paulistas corajosos, à
frente dos quais estava o dr. Adolfo Pinto, e aos 6 de julho de 1913
lançou a primeira pedra da nova catedral paulistana. Foi orador
da solenidade o então conego Sebastião Leme, hoje Cardial
Arcebispo do Rio de Janeiro. E a catedral começou a sua história.
Vai-se erguendo aos poucos. Primeiro a cripta, já terminada
e que é uma verdadeira igreja subterrânea. Lá
estão sepultados todos os bispos de S. Paulo e ultimam-se agora
os jazigos do Regente Feijó e do Cacique Tibiriçá.
Consta-nos que o sepultamento definitivo dos despojos de ambos deverá
realizar-se muito breve e com solenidade civica e religiosa. Os sarcofagos
são de bronze e granito, duas autenticas obras de arte, como
poderão ver os leitores pelos clichés que publicamos.
Fez-se depois a primeira parte do corpo da igreja, as colunas mestras,
dando-se então acabamento, à parte da ábside,
que já está terminada na sua parte de alvenaria.
A propósito, ouvimos em nossa visita:
"Foi por essa razão que durante 20 anos a fachada da catedral
ficou do mesmo geito. Parecia que estavam paradas as obras. Muita
gente ao vêr a catedral com aquela mesma fisionomia de vinte
anos atrás, murmurava: mas, então, esta igreja não
vai? Ela ia, entretanto, calada, vagarosa, sem se preocupar com as
censuras dos transeuntes apressados, porque sabia que era feita pelas
gerações e para as gerações. Uma catedral
não é um bangalô que se faz depressa e que se
quer logo ocupar. Uma casa é morada do homem. A igreja é
morada de Deus e para gerações e mais gerações
de homens. Não pode ser feita com a mesma pressa com que se
fazem as coisas humanas, sujeitas ao capricho e condenadas a perecer".
Agora, o início dos trabalhos das torres despertou novamente
a curiosidade dos paulistanos e muita gente está a dizer: agora
sim a coisa vai mesmo.
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A
comissão da catedral |
Para fiscalizar o andamento das obras o Arcebispo constituiu uma Comissão
Executiva, composta de paulistas eminentes e que tem trabalhado com
empenho. A primeira Comissão Executiva estava assim constituida:
presidente, Conde de Prates; vice-presidente, dr. Gabriel Dias da
Silva; 1.o secretário, dr. Adolfo Augusto Pinto; 2.o secretário,
dr. João Antonio de Oliveira Cesar; 1.o tesoureiro, conde de
Lara; 2.o tesoureiro, dr. Leôncio do Amaral Gurgel; conselheiros:
dr. Antonio da Silva Prado, Mons. Dr. Francisco de Paula Rodrigues,
Barão do Amaral; coronel Bento José de Carvalho e dr.
José Oswaldo Nogueira de Andrade. A Comissão atual consta
dos seguintes: presidente Arcebispo Metropoliano; assistente do Arcebispo,
mons. dr. José Higino de Campos; vice-presidente, dr. Altino
Arantes; secretário geral: embaixador José Carlos de
Macedo Soares; 1.o tesoureiro, dr. José Maria Whitaker; 2.o
tesoureiro, dr. Leão Renato Pinto Serva; conselheiros: dr.
Francisco Morato, dr. Samuel Ribeiro, dr. Erasmo de Assumpção,
dr. Gofredo T. da Silva Telles, dr. José Cássio de Macedo
Soares, dr. Antonio Cintra Gordinho e Tácito de Toledo Lara.
Realizaram-se até o presente 360 sessões ordinárias.
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Engenheiros |
O primeiro engenheiro foi o próprio autor do projeto, dr. Maximiliano
Hell, falecido a 27 de agosto de 1916. Substituiu-o o dr. Jorge Krug,
que tambem veio a falecer em 1919. A partir desse ano foram as obras
confiadas ao dr. Alexandre Albuquerque, professor da Escola Politécnica.
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Granito |
O granito para a Catedral provem de uma pedreira situada perto da
Capital. Os operários medem e examinam a pedra e o seu veio.
Extraída da canteira é depois transportada em caminhões
para a Sé.
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Vitrais |
Estando já prontas as ogivas da ábside, a Comissão
estuda agora os grandes vitrais, tendo sido apresentados vários
projetos de artistas nossos. Neles figuram, além das imagens
sacras, plantas da nossa flora, orquídeas principalmente. Várias
familias paulistas quizeram para si a honra de dar um vitral para
a ábside, perfazendo o total de 15, e consta que todos já
foram doados.
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Capitéis |
Os capitéis chamam a atenção de todos os visitantes.
Ali vimos capitéis de carambola, cajú, mamão,
café, maracujá, cacáu e outras muitas frutas
e flores brasileiras. Pelas cornijas divisam-se tambem animais nossos,
tatús e tucanos. É uma das características mais
belas do estílo gótico; em vez de buscar motivos ornamentais
na flora e fauna clássicas da Grécia, toma-os do próprio
paíz onde se instala. A Catedral paulistana tem o privilégio
de ser o primeiro edificio público que toma elementos da nossa
flora e da nossa fauna para motivos ornamentais. Ali não se
vêem folhas de acantos ou flores de anêmonas mas sim coisas
brasileiras, intimamente brasileiras, que ingressam triunfalmente
na Arquitetura. A Catedral de São Paulo é essencialmente
nacionalista, por ser de estilo que se adapta a qualquer paíz,
como expressão que é, e das mais bélas, da arte
cristã.
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Naves |
Tem a Catedral cinco naves, sendo a central a maior de todas. Terminam
as duas primeiras, uma na capela do Santíssimo, que já
está quasi pronta, outra na ampla sacristia. Em cima de ambas
estendem-se duas vastas salas: a sala capitular, séde do Cabido
Metropolitano e a sala dos arquivos da Sé. As duas outras naves
terminam no deambulatório que circunda o altar mór.
A nave central terminará no santuário. As cinco virão
dar, na frente, no amplo coro, onde se deverá situar o gigantesco
orgão, provavelmente o maior que possuirá o Brasil.
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Torres |
Do ponto em que esstão até as flechas, o orçamento
para cada torre é de 2.190 contos de réis. Uma fortuna!
Mas quando se considera que, na terceira galeria, se ostentam numerosas
estatuas de granito guardando os pórticos e olhando para a
cidade em todas as direções, vê-se que não
é exagerado o orçamento. Parece que são quasi
trezentas estátuas ao todo nas galerias e nos pórticos.
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Sineiras |
As sineiras são enormes para poderem conter os bronzes. O big-ben
paulista. Consta-nos que é pensamento do Arcebispo, assim que
as torres estejam, aptas, instalar neles os carrilhões. Os
londrinos orgulham-se do seu relogio, cuja voz transmitida cotidianamente
pelo rádio aos britânicos de todo o mundo, vem lembrar-lhes
como que a própria voz da Inglaterra. São Paulo precisa
tambem ter sua voz, seu grande sino que a todos canta nas horas de
alegria e com todos chore nas horas de tristeza. Soubemos que é
pensamento do Arcebispo entrar em entendimento com o governo para
que as torres da Catedral estejam em constante comunicação
com o Observatório, para dar a todos a hora certa, oficial.
Consta-nos tambem que o Arcebispo já escolheu o nome para o
grande sino que vai dar horas: São Paulo de Piratininga! Feliz
escolha!
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Custo
das obras |
Até a presente data, custaram as obras da Catedral 11.973 contos
e calcula-se que para ser inteiramente concluida serão precisos
mais uns 20.000 contos. E ela o será, temos plena certeza.
Paulista não retrocede diante de obstaculos e menos ainda em
se tratando do seu monumento máximo. Engenheiros extrangeiros
que estiveram em visita às obras de Catedral afirmaram que
esta é a maior, a melhor e a mais bela obra que São
Paulo está contribuindo. E será continuada até
o último remate. Deus permita que seja logo! |
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