O SALTO EM PARAQUÉDAS


Publicado na Folha da Noite, terça-feira, 16 de novembro de 1937

Neste texto foi mantida a grafia original

A historia do paraquédas ainda não esta bem contada, sendo possivel que nunca mais o será. Todos os paizes que deram martyres á aviação parece que tiveram tambem pioneiros do salto no espaço. Cada um em sua terra, estes pioneiros actuaram mais ou menos na mesma época, obtendo mais ou menos os mesmos resultados. Assim, a primazia relativa depende em grande parte da nacionalidade do autor que se lê. Se o autor fôr italiano, o primeiro salto no espaço em paraquédas terá sido realizado por um filho da Italia; se fôr norte-americano, haverá , não um, mas dez pioneiros da república estrellada; se fôr francez, uma documentação meticulosa e excludente provará que foi um amigo de Blériot o verdadeiro lançador da idéia de se salvarem vidas de aviadores por meio de um cupola de panno que, enchendo-se de ar , pode trazer um homem de grande altura do sólo, sem o ferir.
Nesta abundancia de "primeiros" paraquedistas, quem ganha a corrida é quem mais propaganda faz e mais divulgação consegue. E nem é preciso dizer que o premio cabe, neste sentido, á república do sr. Roosevelt. Nós, os brasileiros, que não disputamos, nem nunca disputaremos primazia alguma em tal terreno, podemos contemplar sem preferencias o panorama historico do paraquedas. Podemos tomar todos os autores, dar a cada qual uma parcela de verdade verdadeira, fazer abstração de nacionalidade, e reconhecer que houve momentos interessantes na creação do paraquedas, sem que se procure, entretanto, determinar a criatura que appareceu em primeiro lugar.
E' certo que houve um anno em que, pela primeira vez se falou de experiencias praticas levadas a termo com paraquedas, em differentes paizes. Este anno foi o de 1911.

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Com effeito, foi 1911, que tanto na Italia como na Allemanha, tanto na França como nos Estados Unidos, os jornaes divulgaram artigos e photographias a proprosito da "nova loucura", dos conquistadores do espaço.
Naquelle tempo, a aviação ainda causava assombro; em demonstrações publicas de vôo mecanico, nas quaes os maiores pilotos do dia só attingiram alturas de cincoenta ou cem metros, e velocidades de cem ou cento e vinte kilometros horarios, viam-se soberanos, presidentes de república e chefes de estado. Os pilotos acrobaticos eram contratados por governos, para fazerem evoluções nas capítaes européas, e tudo quanto hoje é pratica corrente era naquella phase de maravilhosos heroismos, milagre de homens amparados pelos deuses.
Tudo se apresentava com caracter francamente rudimentar. O paraquedas não podia formar excepção. Tambem elle surgiu com caracteristicas quasi infantis.
Os primeiros paraquedas eram feitos de uma cupola de panno, que se dobrava á vontade do seu utilizador, mas que não tinha dispositivo de abertura. O aviador amarrava o cabo principal ao redor do corpo; o involucro da cupola se prendia ao aeroplano por meio de uma corda bastante longa; quando o aviador pulava, o ponto de agarre desta corda se partia, o involucro abria-se e a cupola se inflava. Só muito mais tarde, já ao tempo da Grande Guerra, é que começaram a apparecer dispositivos de abertura de paraquedas, que eliminaram a necessidade da corda embaraçada. E só então é que se realizaram alguns pulos livres.
Cessada a conflagração européa, a aviação sofreu um tempo de pausa que durou quasi um lustro. E tambem o paraquedismo deixou de evoluir. Em 1924, quando a industria aeronautica voltou de novo a produzir, embora com muita hesitação, as machinas de vôo que serviram para o surto de 1925/26, o paraquédas voltou a preocupar os technicos. Foi nesta phase que se estudaram, com rigor mathematico, as condições indispensaveis a um paraquedas seguro - desde a qualidade do tecido da cupola (que passou a ser de seda e borracha), até o mecanismo infallivel do dispositivo de abertura, e desde a metragem de panno necessaria pára a sustentação do peso do corpo humano, até á technica de se dirigir o paraquédas no ar, afim de se evitarem obstaculos.

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Hoje, pode dizer-se que o paraquédas attingiu o grau de perfeição possivel dentro dos recursos humanos. Ha paraquedas individuaes; ha paraquédas destinados a cadeiras de aviões de linha, com os quaes, em caso de emergencia, o passageiro é lançado ao espaço, chegando ao sólo são e salvo; e já se projectam até paraquédas para aviões inteiros.
Raro é o aviador que não vôa com o seu paraquédas ao corpo. Os millitares são obrigados ao uso desse apparelho, quando vôam em aeroplanos abertos. E varias nações como a Allemanha e os Estados Unidos, transformaram o paraquédismo em esporte de criança. Para a divulgação deste esporte, construiram-se nos "play-grouds", torres especiaes, de cujo topo meninas e meninos se lançam, munidos de um paraquédas preso a um braço das referidas torres, á guisa de guindaste.
Os proprios militares fazem primeiro exercicios em torres semelhantes; e só depois disto é que realizam o primeiro salto livre, de bordo de aeroplanos.
Não se póde dizer que o paraquedismo, agora, esteja completamente isento de perigos; ainda se registam casos fataes; mas já é um apparelho de salvação muito evoluido e o seu uso deveria ser obrigatorio tambem na aviação civil.


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